terça-feira, 2 de dezembro de 2008

ENTREVISTA: BOB WILSON / JOSÉ SARAMAGO

Aí estão os links das entrevistas do Bob Wilson e do José Saramago dentro das "Sabatinas da Folha".

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Arthur Azevedo: breve panorama no seu centenário de falecimento


“De um lado do mar sente-se a ausência do mundo; do outro, a ausência do pais. O sentimento em nós é brasileiro, a imaginação européia.” .
J. Nabuco. Minha Formação, 1900.
Originário de uma família portuguesa, Arthur Azevedo nasceu no dia 7 de julho de 1855 em São Luís, no Maranhão. Era filho mais velho do cônsul português naquela cidade. Esse irmão mais velho de Aluísio Azevedo, cedo foi encaminhado, por seu pai, para o comércio. Segundo seus biógrafos desde muito cedo Arthur Azevedo demonstrou vocação para o teatro. Em colaboração com outros empregados do comércio, Arthur Azevedo animou um grupo de jovens amadores em torno do Gabinete Português de Leitura, uma biblioteca mantida pela comunidade lusitana de São Luís. Neste ambiente, Arthur e seu irmão Aluísio, deram azas às suas primeiras experiências imaginárias no âmbito do teatro.
Foi como poeta que Arthur publicou seu primeiro livro, Carapuças em 1871. Trata-se de um pequeno opúsculo de poesias, que retrata a cidade e as principais figuras da sociedade de São Luís. Apesar de seu talento juvenil, sua poesia satírica desgostou as personalidades que se viram caricaturadas pelo novato autor. Escreveu em seguida seu primeiro texto teatral Amor por Anexins, um curto ato com dois personagens. O velho Isaías que possui a particularidade de só exprimir-se por anexins, e a jovem viúva Inês. A ação da comédia centra-se no esforço de Isaías em não falar em anexins com o objetivo de casar-se com a jovem viúva. Comédia ligeira com traços de uma análise comportamental figura aí o germe de sua futura obra teatral. Com dezoito anos, em 1873, o jovem Arthur desembarcou num Rio de Janeiro em plena efervescência política e econômica. Por um lado, verificava-se o término da guerra do Paraguai, que durara toda a década de 1870, por outro continuava a guerra civil nos Estados Unidos. Em França, esta perdera as províncias da Alsase e da Lorraine para os alemães. Nota-se um ressurgimento da indústria brasileira em matéria de calçados, tecidos, instrumentos náuticos e ópticos, produtos químicos, vidro cigarro papel, etc.
Durante os dezesseis anos que precedem a República, as discussões políticas se produziam entre os três principais partidos da atualidade: o Conservador, o Liberal e o Republicano. A paisagem da cidade de São Luís, mais marcadamente colonial que a de Rio de Janeiro, formava um contraponto com a panacéia que era a famosa rua do Ouvidor e adjacências, com suas atrações cosmopolitas importadas da França. Na Corte, Arthur ganhou sua vida, primeiro, como revisor e tradutor de folhetins franceses para o jornal A Reforma. Desde o primeiro contato com o universo jornalístico, ele não deixaria mais o mundo das letras, forjando a partir do jornal sua atividade como folhetinista, contista e escritor de teatro. Arthur fez em seguida carreira no serviço público da corte, trabalhando primeiro no Ministério da Viação e depois como amanuense em companhia de Machado de Assis.
Aos vinte anos, em 1875, ele se casou com Carlota Morais. Esta relação durou apenas dez anos, sem que viessem a ter filhos. Na década de 1890, Arthur Azevedo contraiu segundas núpcias com Carolina Adelaide Leconflé. De ascendência francesa, ela, também viúva, trazia do primeiro casamento quatro filhos, e com Arthur Azevedo teve mais quatro: Arthur, Américo, Aluísio e Rodolfo.
No tocante à vida literária, a cidade do Rio de Janeiro vivia sob o efeito dos folhetins ao estilo de Victor Hugo, dos verso de Alfred Vigny e de Lamartine. Alexandre Dumas filho era o grande modelo no teatro desde os tempos do Ginásio, em 1855, com seu realismo romanesco moralizador e edificante. Em termos de teatro, o nome de Dumas filho só encontrava rivais em E. Augier e V. Sardou em peças que primavam pelo entrecho baseado na atualidade parisiense. Foi neste ambiente literário, nesta atmosfera francófila que Arthur logo conquistou um lugar de destaque. Na imprensa do Rio de Janeiro, a moda eram os pseudônimos. E Arthur os criou em série: “Eloy, o herói”; "Dorante'; "Gavroche"; "Frivolino"; "Frivolão'; "Cósimo"; "Cratchit"; "Petrônio"; "Juvenal"; "XYZ"; entre outros. Sua imensa produção jornalística se distribuía entre os principais jornais do Rio: O Paiz, A Notícia, O Correio da Manhã, A Revista Brasileira, O Século, Diário de Notícias, O Álbum. Essa intensa produção jornalística em grande parte foi dedicada ao movimento teatral. E neste caso destacam-se três rubricas: “De Palanque” no Diário de Notícias; “A Palestra” no O País e “O Teatro” em A Notícia. Essa produção reúne um denso material que nos permite conhecer, detalhadamente, o movimento teatral dos últimos anos do séc. XIX e os primeiros do séc. XX.
Como autor teatral, Arthur foi um dos mais profícuos de sua geração escrevendo em diversos gêneros mais de 150 peças: 19 revistas de ano; vários textos realistas sem a presença de música; peças para o teatro musical; diversas obras com ou sem música “decalcada” do repertório francês que foram o objeto de verdadeiras experiências intertextuais — paródias, pastiches, recriações e “adaptações à cena brasileira” —; além de inúmeras traduções. Deste conjunto destacam-se A Capital Federal; O Escravocrata; O Mambembe; A Jóia; O Oráculo, entre outros títulos.
Integrante da elite de nossos homens de letras, ele foi membro fundador na ABL da cadeira 29 cujo patrono é Martins Pena. Igualmente homem de teatro foi um animador cultural avant la lettre incansável, e, deve-se a ele, entre outras realizações, a campanha pela construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Dividido entre o teatro comercial e o literário — arte erudita e popular —, Arthur soube como ninguém estabelecer, na dramaturgia brasileira, a síntese entre formatos universalistas e conteúdos que manifestassem os valores emergentes de uma identidade brasileira. Ao ultrapassar o simples modismo passageiro vindo da Europa, ele consolidou as bases que já havia legado Martins Pena ao teatro nacional. Veio a falecer em 22 de outubro de 1908 aos 53 anos, no Rio de Janeiro no auge de sua carreira como autor dramático, ensaiador e crítico teatral.
(Artigo publicado no Jornal A Gazeta do Povo, Curitiba, outubro, 2008)

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Seminários Internacionais Trans-Culturais sobre Teatro e Dança - PPGAC - UFBA - Salvador, 25 a 30 de agosto de 2008

Resumo da Aula Aberta nos Seminários Internacionais Trans-Culturais sobre Teatro e Dança - PPGAC - UFBA - Salvador, 25 a 30 de agosto de 2008 Objetivos: Apresentar e discutir as diferentes acepções do trabalho teatral do encenador. Procedimento: Aula expositiva privilegiando a discussão e o debate com os interessados. Público Alvo: Alunos-diretores e interessados por direção teatral. Ministrante: Walter Lima Torres Neto[1]
Os diferentes processos de encenação e as diferentes acepções do encenador
1 No início do século XX, mais precisamente por volta de 1903, no bojo do movimento Naturalista, quando André Antoine formalizou algumas idéias a respeito da arte e da técnica da encenação, forçou-se uma ruptura com um modelo anterior de coordenação artística e técnica do espetáculo que era desempenhado pela figura que genericamente podemos chamar hoje de Ensaiador Dramático[2]. De 1903 até os anos 1950 e 1960 perdurou muito fortemente uma tendência na direção teatral que foi basicamente textocêntrica, isto é, o diretor se comportava na maioria das vezes como um porta-voz do autor do texto dramático. Do texto advinha todo o matiz da cena. O texto seria portador de uma essência cuja cena deveria revelá-la o mais fortemente possível. A palavra do autor era traduzida assim do literário para o teatral. O trabalho teatral do diretor primava então por se associar, intimamente, à palavra do autor. Trabalhava-se para ser seu melhor intérprete formulando artisticamente o melhor implemento cênico para maior eficácia do texto teatral à representação diante do espectador. Essa operação se fazia independente do estilo de cada diretor, da tendência natural de cada olhar para cena. Ao contrário, contemporaneamente, importa menos saber exatamente de quem é a autoria da encenação, pois como se pode deduzir, apesar do sentido advir de uma orientação do “coordenador do espetáculo” — ensaiador, diretor, encenador — é inerente à criação teatral hoje sua capacidade de sintetizar uma prática expressiva que é coletiva, onde por vezes o sentido de autoria se perde. Essa perda é devida às tênues fronteiras entre os próprios agentes criativos que forjam os elementos que constituem a cena. E essa negociação se dá no momento do processo de trabalho onde se busca uma direção, um sentido geral para a obra cênica. E essa é uma forte tendência do momento presente. 2 O trabalho de montagem de um espetáculo cênico é a possibilidade de se dizer alguma coisa que não poderia ser dita de outra maneira, em outro formato. A pertinência da idéia ou da questão reivindica a cena teatral como lugar artístico precípuo para expressão dessa idéia, desse problema que aí se apresenta de forma poética. Cabe à direção teatral emitir um juízo. Um juízo estético. Ter respostas poéticas para a questão que lhe interessa. Dirigir é opinar. É dar opinião sobre um determinado tema, uma certa situação, uma personagem específica, um problema social objetivo, um fato político circunscrito no particular ou no geral de certa comunidade, etc. Dirigir é igualmente coordenar a parte artística e técnica, conciliando o espiritual e o material de um espetáculo. Se por um lado, dirigir um espetáculo é dar sentido a um juízo problematizando-o de forma poética, por outro, conceber um espetáculo é trabalhar com problemas estéticos e éticos. 3 Historicamente, quando o coordenador do espetáculo teatral lia um texto teatral era importante que aos poucos ele se fizesse uma idéia, particular, do que poderia vir a ser este mesmo texto num espaço determinado, dito por atores devidamente caracterizados, sob o efeito de certa iluminação, acompanhado ou não de som. De posse desta sua “visão” inicial, é que ele então partia para dialogar com uma equipe de agentes criativos no intuito de estabelecer o encaminhamento que se pretenderia dar àquela obra, na busca por uma concretude que revelasse a verdade daquele texto. Nessa mesma dinâmica o diretor e sua equipe acabavam por revelar as suas próprias idéias. Esse coletivo de agentes criativos manifestava assim uma particular visão de mundo segundo o resíduo ficcional contido no texto teatral interpretado. Esse foi e continua sendo o perfil daquele que designamos como sendo o moderno diretor teatral. Esse diretor é assim o articulador deste texto dramático que ganha a cena. Ele negocia, artística e tecnicamente, a passagem de uma determinada escrita dramática à condição de escrita cênica por meio do conjunto de agentes criativos que ele estimula a forjarem os elementos que engendram uma teatralidade, a identidade do espetáculo. Essa concepção inicial do moderno diretor é influenciada pela dinâmica do trabalho artístico dos demais agentes criativos envolvidos na montagem. E, as influências no processo de montagem são por assim dizer recíprocas formando uma espécie de vai e vem entre os agentes criativos — proposta, apresentação e estímulo —. O que estabelece uma sorte de ciclo ativador da criação. Quando se fala sobre a leitura de um determinado diretor acerca do texto de um autor, procura-se compreender a visão que tem o diretor da obra do autor visitado, visto que é o diretor o responsável pela encenação, e, por conseguinte pelo prazer ou desprazer indireto do espectador diante da linguagem engendrada por ele. A recente montagem de Hamlet por Peter Brook, que visitou o Brasil, chocou certos puristas, pois não poderia um ator negro interpretar o personagem do transloucado príncipe! Independente deste juízo, a visão de Peter Brook sobre o texto de Shakespeare é absolutamente diversa daquela versão encenada, por exemplo, por Patrice Chereau, em 1989 com Gerard Dessarthe no papel do príncipe vingador, enfatizando na sua atuação o aspecto cômico daquela figura real. E ambas montagens destoam das idéias que nortearam o arrojado projeto de Edward Gordon Craig e Constantin Stanislavski para o Teatro de Arte de Moscou, no início de nosso século. Recentemente, o ator Diogo Vilella dirigido por Marcus Alvisi também deu sua contribuição interpretativa ao herdeiro do trono da Dinamarca. Apesar de oferecer a este mesmo texto numa montagem muito interessante, ela era desprovida exatamente desse ponto de vista, ou seja, dessa subjetividade inerente ao olhar do diretor acerca da concepção da cena. Ainda não assisti à montagem de Aderbal-Freire Filho que traz no papel título do herói shakespereano, Wagner Moura, o Capitão Nascimento do filme Tropa de Elite. Já aí na escolha do ator, nota-se um critério interessante, independente do apelo midiático. 4 Durante muito tempo a coerência da cena, isto é, a sua concepção — à moda do ensaiador dramático —, esteve subordinada ao gênero dramático ao qual o texto estava filiado. Isto quer dizer que o formato do texto, seu gênero (peça militar, opereta, farsa, revista, burleta, drama de casaca, peça de capa e espada, vaudeville, grand-guignol, comédia, drama, etc) deveria ter uma tradução específica que refletisse exatamente esse formato “literário” sobre o palco. Esse princípio era inclusive muito importante para que o espectador, ao pagar pelo bilhete que lhe dava acesso ao teatro, tivesse a certeza do que iria ver e ouvir. Nesse sentido, a crítica jornalística especializada foi um agente definitivo na defesa de uma encenação que não desvirtuasse o teor do pensamento e da palavra do autor. Grandes polêmica se estabeleceram em tempos pretéritos. E ainda hoje, vez por outra, é reacendida essa velha polêmica entre agentes criativos e a crítica especializada. O debate se dá quando o argumento empregado pela crítica reprova o que se faz a partir de um texto, quando a encenação não atende às prescrições do autor dramático, traindo por assim dizer o seu “espírito”. Entretanto, é como diz José Ortega y Gasset — “Todo dizer é deficiente, diz menos do que quer. Todo dizer é exuberante, dá a entender mais do que se propõem” —. Essa ambivalência está na essência do trabalho de exegese sobre um texto dramático. Ela dá a dimensão hermenêutica que estimula o trabalho teatral de maneira geral e a concepção e organização de uma linguagem teatral de forma particular. Apesar das modificações da sociedade ocidental, das influências de outras artes, do audiovisual e da mídia sobre o teatro, essa visão descrita acima sobre a concepção dos espetáculos vinculados a uma tipologia sobrevive ainda hoje. Esta sobrevivência é constatada naqueles espetáculos explicitamente anunciados como entretenimento. A guisa de exemplo se poderia lembrar de títulos de sucessos históricos como — O Fantasma da ópera; O homem de la Mancha, Choros Line, Evita; Os miseráveis; Cat’s — entre outros que são montados rigorosamente sob um mesmo padrão em todo o mundo, atingindo uma alta escala em termos de reprodutibilidade. Os espetáculos, tal como as encenações de um Cirque du Soleil, por exemplo, são montados independentemente das praças a serem visitadas, sempre no mesmo formato que os originou. Essa reprodução em escala mundial aquece o mercado global da produção cultural e gera um ciclo econômico nada desprezível. Fazendo um breve paralelo com as telenovelas brasileiras, verifica-se que esse pertencimento ao gênero ou a uma certa tipologia de espetáculos mantém tencionado o fio da convenção que faz perpetuar no folhetim televisivo os princípios do teatro do século XIX brasileiro. Tanto quanto esse teatro de dramaturgia tipificada, auxiliada pelo emprego de atores-tipos para representarem papéis-tipos, a teledramaturgia brasileira se destaca e procura uma parte no mercado da globalização. Porém, muitas vezes, quando não se tem contato com a arte do teatro, e tendo em vista o enraizamento da televisão na comunidade brasileira, esta, por conseqüência, passa a condicionar a criação cênica limitando-a ao realismo audiovisual excluindo, sobretudo a poesia e o poder da convenção teatral. 5 Já faz um tempo que me dediquei nas horas mortas ou quem sabe perdidas a pensar um caminho relativamente lógico para demonstrar aos alunos-diretores que esse coordenador do espetáculo teatral reflete em primeiro lugar aquilo que de maneira geral denominamos de “o espírito de seu tempo”. Trata-se na verdade de uma mentalidade possível de ser manifesta graças às injunções cognitivas e as convenções celebradas pela própria sociedade na qual esse agente criativo se encontrava. Em primeiro lugar, a aparente classificação entre essas três figuras — ensaiador, diretor e encenador — não deve despertar nenhum sentimento de hierarquização. Como veremos os três comportamentos diante da concepção da cena (atuação, espaço, luz, som, cor, textura, forma, tempo, etc) não desapareceram. Apesar de poderem ser localizados cronologicamente dentro de nossa cultura e prática teatral, com maior ou menor intensidade de atuação, suas técnicas e procedimentos se justapõem. As características de seus Trabalhos Teatrais estão presentes ainda hoje em nosso cotidiano. Basta um pouco de observação para detecta-los. Em segundo lugar tenho que observar a facilidade legada pela própria língua portuguesa que na sua generosidade no oferece essas três denominações — ensaiador, diretor, encenador —. Normalmente, diretor e encenador são sinônimos e empregados com o mesmo objetivo resultando em idêntico significado. Entretanto, em 1982, quando da tradução de A Linguagem da encenação teatral de J-J. Roubine por Yan Michalski, o historiador e crítico teatral afirmava na sua Apresentação inicial desta obra que, seria melhor naquela altura, empregar “encenação” no lugar de ‘direção”, pois, dizia ele — “a nossa direção, além de possuir uma conotação potencialmente autoritária contrária ao espírito que prevalece na obra, refere-se mais de perto ao processo executivo de uma realização teatral, enquanto na palavra encenação vejo implícito, com maior força sugestiva, o resultado da elaboração criativa de uma linguagem expressiva e autônoma”[3] —. De fato o problema não está na riqueza da língua portuguesa, mas sim na exclusividade do emprego do termo mise-en-scène em francês. Esse termo é o único nesta língua para designar a encenação do espetáculo teatral. E por conseqüência alude a palavra metteur-en-scène para diretor ou encenador, apesar da ressalva de Yan Michalski. Ainda seguindo a pista deixada por Yan Michalski, sobre esse caráter “autoritário” do coordenador do espetáculo teatral como “o diretor”, é importante especificarmos as três figuras ainda pouco enunciadas. 6 Em termos cronológicos podemos localizar em primeiro lugar o trabalho do ensaiador dramático como o agenciador do espetáculo teatral num período dito pré-moderno; já a figura do diretor teatral estaria associada a criação da cena na sua fase moderna de nossa cultura e prática teatral; restando ao que chamamos de encenador o papel de criador da cena em tempos pós-modernos. Antes de descrever as características das três figuras em termos de procedimento de trabalho e concepção cênica seria desejável sinalizar, ainda que precariamente, essas faixas temporais. Apesar de não ser nossa ênfase aqui, é necessário lembrar que uma periodicidade não é aleatória e não pode deixar de estar associada às questões sociais e, mormente de ordem econômica neste caso. Há uma dinâmica na vida social e econômica que condiciona movimentos de subalternidade diante dos perfis apontados. Ainda não nos detivemos com o afinco necessário que a questão suscita sobre esse problema da periodicidade que continua em aberto. Entendemos então que, o legado que constitui o conjunto de técnicas e procedimentos de trabalho atribuídos ao ensaiador remontaria ao Renascimento. Desde o surgimento da perspectiva linear; o acabamento da caixa de ilusão da cena frontal com sua moldura e o arco do proscênio; e, a fixação de um repertório de gêneros claramente definidos herdeiro do século XVII pode-se identificar a trajetória desse perfil. Mesmo consciente do problema desta periodização acerca dessas faixas temporais, procuramos localizar o ensaiador nessa extensão temporal devido ao fato de que enquanto o tempo avançava, após a saída da Idade Média, sua função ora era desempenhada por um músico; um cenógrafo; um ator; um autor e, somente na segunda metade do século XIX é que temos notícia de que ele se dedica exclusivamente à representação. O século XIX é o momento culminante de seu trabalho visto a proliferação de teatros e o crescimento de uma demanda de entretenimento nas principais cidades européias e americanas. Quando eclode o advento do naturalismo no teatro é o ensaiador teatral o homem de confiança de diversos autores dramáticos que com suas peças querem chamar atenção para os novos fundamentos de uma arte que busca refletir o real de forma precisa, expondo a miséria dos ambientes e das personagens, rompendo uma vez por todas com a idealização do comportamento ficcional que reinava desde o classicismo. Pouco a pouco se delineia o perfil do moderno diretor teatral na esteira do trabalho de um André Antoine e de um Constantin Stanislavski. E daí em diante a noção de um diretor teatral que ao se colocar como porta voz do autor dramático também se vê na eminência de criar uma camada sígnica. Essa camada de subjetividade reflete a sua interpretação daquela obra dramática. E é essa espessura de significados que busca, aderindo ao texto, engendrar uma cena única para este mesmo texto. É o primado das diversas e possíveis versões de montagens de um mesmo texto por vários diretores diferentes. Essas diferentes propostas de montagens de um mesmo texto geram as mais distintas visões cênicas para glória da dramaturgia e sucesso da encenação. Este novo princípio de trabalho estipula a leitura de mesa pelo coletivo criativo e obriga a leitura da totalidade do texto por todo o conjunto de atores que passarão a entender sobre a totalidade da obra e sua idéia motriz. Ou no dizer de Stanislavski, seu super-objetivo. 7 Quando da reconstrução da Europa, durante o pós-guerra foi a noção de “Teatro de Arte” que se impôs para colaborar no reerguimento das identidades nacionais. Essa tendência teatral tinha fortes contornos humanísticos e clássicos. Diga-se de passagem, que foi essa concepção, similar aquela da virada do século XIX para o XX, agora repaginada após 1945 que levou Bertolt Brecht e Helene Weigel a se instalarem em Berlim Leste e criarem o Berliner Ensemble em 1949. Em Milão, Paolo Grassi e Giorgio Strehler construíram seu edifício para o Piccolo Teatro de Milano, inaugurado em 1947. Na França o TNP passou a ser dirigido por Jean Vilar em 1951, após convite feito pelo governo. Já desde 1947 esse diretor vinha trabalhando em prol da descentralização em função do Festival de Arte Dramática de Avignon, que ele próprio criara. Na Inglaterra, cujo teatro sempre teve uma tendência fortemente ligada ao entretenimento comercial, estabeleceu-se de pronto a valorização de um repertório que retomava os grandes clássicos elisabetanos. Tratava-se de um movimento geral tanto à leste quanto à oeste de Berlin. Com essa cidade passando a ser uma espécie de ponto de equilíbrio, entre as nações européias após o fim do conflito e o restabelecimento das fronteiras, o diretor teatral foi semeando a necessidade de se repactuar com a sociedade a condição da arte cência pelo canal do “Teatro de Arte”. Dessa década de 50’ em diante ainda nos anos 70’ e 80’ se afirmava o primado do diretor conforme Anne Ubersfeld gosta de chamá-lo, como aquele “diretor demiurgo” e por vezes irascível na imposição de suas idéias. São os descendentes de B. Brecht pelo viés alemão e os descendentes de J. Copeau por conta do Cartel, e mais tardiamente os herdeiros de V. Meyerhold e dos Simbolistas russos. Para esses diretores o influxo da cena estaria centrado no texto ainda que se divirja sobre o tratamento a ser ministrado. O texto ainda estava circulando entre a periferia e o centro da criação cênica. A experiência do Cartel na França[4] foi o exemplo mais bem acabado dessa proposta de visão de trabalho teatral junto aos elementos da cena. Esses diretores teatrais ainda trabalhando condicionados pelo texto não deixavam de oferecer um juízo sobre esse mesmo texto. Para exemplificar no caso brasileiro podemos lembrar as experiências dos diretores italianos que tanto colaboraram com o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e que encarnam exatamente esse perfil que estamos descrevendo — Luciano Salce, Ruggero Jacobbi, Adolfo Celi, Roberto D’Aversa, Gianni Ratto[5] —. Da década de 80’ para a de 90’, aqui no Brasil, há um adensamento entorno da figura do coordenador do espetáculo teatral bastante notória, e inclusive verificada na própria imprensa especializada. Sinaliza-se o dissolvimento dos grupos de “criação coletiva” e afirma-se a preponderância dos “espetáculos de diretores”. Verifica-se, daí em diante, uma série de novidades em termos processuais que altera a promoção, exibição e recepção de uma narrativa cênica, — procedimentos de exploração da cena por conta de novos recursos tecnológicos; realinhamento da chamada direção dos atores propondo-se uma nova situação para o ator no interior do espetáculo; uma nova aplicação da expressão oral e corporal; o estremecimento das fórmulas até então consagradas no emprego dos elementos da cena que são subordinados, não mais àquela idéia detectável ou “lida” no resíduo dramático, no texto teatral tradicional; etc. A cena agora estava definitivamente livre da literatura dramática ou de um núcleo ficcional que gerasse uma essência para estar subordinada a uma idéia autônoma que se torna encenação[6]. A guisa de conclusão estabelecemos um quadro sinótico sobre estes três perfis que deve ajudar a esclarecer o comportamento diante da produção daquilo que costumamos chamar de encenação ou escrita cênica. (A formatação do blog desfez o quadro. Tentarei outra estratégia para postá-lo).
************************************************************************************* [1] Walter Lima Torres Neto é ator, diretor e professor de estudos teatrais no Departamento de Letras Estrangeiras Modernas e no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPR em Curitiba. [2] O trabalho da trupe do duque de Saxe-Meininger é exemplar como coletivo teatral que opera exatamente nessa fronteira entre o trabalho do ensaiador e a passagem para o trabalho dentro dos princípios do que se impôs mais tarde como moderno diretor teatral. Além de precursores desse novo pensamento sobre os procedimentos de encenação de um texto teatral, essa trupe também é a própria manifestação desse teatro dito pré-modernos. Consulte-se a esse respeito o trabalho de Pablo Iglésias Simón. “Direção cênica e princípios estéticos na companhia dos Meininger”, in: Folhetim, Nº 25, jan-jun, Rio de Janeiro, Teatro do Pequeno Gesto, 2007, pp. 06-31. Ou ainda, a já clássica coletânea de fragmentos de diversos diretores teatrais organizada por Toby Cole e Helen Krich Chinoy. Directors on Directing, Indianapólis, Bobbs- Merrill, 1963. [3] J.-.Jacques Roubine. Linguagem da Encenação Teatral, (trad. Yan Michalski), Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1982, p.14. [4] O Cartel foi integrado pelos diretores: Louis Jouvet; Gaston Baty; Charles Dullin e Georges Pitoëf. Tratava-se de uma associação colaborativa informal onde esses homens de teatro que comungavam dos mesmos princípios referente a uma cultura e prática teatral comum, ajudavam-se mutuamente na realização de seus espetáculos e projetos. Associa-se a esses criadores o estabelecimento de uma sistemática na direção da consolidação de um Teatro de Arte nas décadas de 1940-1950 na França. [5] Consulte-se a este respeito os trabalhos de: Maria de Lourdes Rabetti Gianella. Contribuição para o estudo do Moderno Teatro Brasileiro: a Presença Italiana. Departamento de História da FFCHL/USP, 1988; Berenice Raulino. Ruggero Jacobbi: Presença italiana no teatro brasileiro. São Paulo, Editora Perspectiva, 2002 e Alessandra Vanucci. Crítica da razão teatral: O teatro no Brasil visto por Ruggero Jacobbi. São Paulo, Editora Perspectiva, 2005. [6] Consulte-se a esse respeito o trabalho exemplar de análise de três espetáculos específicos do então criador cênico Gerald Thomas. Silvia Fernandes. Memória e Invenção: Gerald Thomas em cena, São Paulo, Editora Perspectiva, 1996.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Libreria Teatral no Teatro San Martín – Buenos Aires – Argentina

A livraria Teatral Salort é, devido à sua especialidade, trajetória e caráter itinerante uma das mais originais de Buenos Aires. Especializada em livros de teatro e dramaturgia, ela começou a funcionar em 1955 no hall do velho Teatro Cangallo. Em 1996 se instalou no foyer do Teatro Nacional Cervantes, e em 2000 funcionou na Casona Del Teatro. Ocupou uma loja nas calles Corrientes e Montevideo em 2007. E finalmente, neste ano de 2008, realizou-se o sonho tão acalentado há muito tempo de seu proprietário, José Maria Salort — instalar a Livraria no hall do Teatro San Martin, aonde funciona de terça feira a domingo sempre depois das 15:00hs.José Maria Salort, rodeado de uns dois mil livros atende à classe teatral portenha — atores, diretores, cenógrafos — gente de teatro da Argentina e do Estrangeiro que visitam esta prestigiada que apesar de ter encontrado porto seguro agora, não deixa de chamar atenção como uma espécie de Livraria Ambulante, tão ambulante e sempre provisória quanto o próprio teatro. Vida longa ao Senhor Salort e a sua Livraria Teatral!
www.libteatralsalort.com.ar / Tel. 5199-1003

sábado, 12 de julho de 2008

Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumeanau

Galette Surprise et son coulis de fruits rouges. De Laura Fernandez e Direção de Diego Brienza. La Mano Marca – IUNA, Buenos Aires Argentina. ************************************************************************************
Inicialmente gostaria de não esquecer de comentar dois pontos mais operacionais que já havia comentado com Diego ontem. O primeiro foi a ausência de criação, por meio de som e luz do outro espaço. O plano da sala do restaurante, seu ambiente, seus barulhos característicos que poderiam ir do efeito de realidade de uma sala normal de restaurante até o trágico desfecho quando já estão todos morrendo aos poucos. Trata-se de ajustar melhor o fluxo do atores nesse vai e vem entre sala e cozinha que acaba dando a base de realidade para que a situação possa evoluir para outro plano, para além do real. O segundo foi a grata e inusitada participação especial da atriz de Campinas. Apesar da surpresa que nos gera uma certa estranheza o estado dela pela procura do banheiro, naquela altura dos acontecimentos, não adensa o que a situação promete. Dali para diante, a procura pelo toalete deveria ser imperiosa, mais intensa, com a possibilidade de imaginarmos inclusive outras pessoas circulando a procura de melhora diante da contaminação. Este é o segundo texto de Laura Fernandez nesse Festival. Assim como o primeiro o título da obra é bastante sugestivo e apetitoso, Galette Surprise et son coulis de fruits rouges. Galette e Crepes são dois desses saborosos pratos realizados rapidamente, pela cozinha francesa. Fez mais ou menos à volta ao mundo e não há lugar que não haja uma creperia. Os dois pratos são feitos a base de farinha. Um doce, o crepe e o outro salgado, a galette. Aqui galette pode ser o prato e também o nome do restaurante. Como aquele imortalizado pela tela impressionista de Renoir, Le Moulin de la Galette que irradia a alegria preguiçosa de uma tarde de domingo daquelas figuras despreocupadas e descontraídas. O caso é que há uma surpresa nesse prato ou nesse restaurante. E mais do que isso, a galette está acompanhada de frutos vermelhos, uma saca ou uma sacola de frutos vermelhos... Seriam eles comprometedores? É servido aos espectadores, antes da entrada um pastelzinho (las empanadas) que provavelmente faz menção às especialidades servidas pelo restaurante. Entramos e nos defrontamos com a cozinha do dito restaurante. Uma natureza morta! A cozinha é por excelência um local de experiências. Talvez sejam as cozinhas as últimas lembranças de um local alquímico. O local da transformação. Não seria ela uma metáfora do próprio teatro, um local de transformação do espírito? A alquimia tinha três objetivos básicos: a transformação de metais inferiores em ouro; a procura pelo elixir da longa vida e a criação de vida artificial. Nesta cozinha está O Cozinheiro, caracterizado meio como que o falso Sheik Ahmed de Rodolfo Valentino, com a cabeça coberta, a se proteger, e seu uniforme branco característico de cozinheiro, o engenheiro da alquimia. O detentor das receitas. O mediador entre aquilo que entra cru e sai cozido. O senhor dos efeitos e dos segredos dos pratos. Aos poucos aprendemos que Ele, curiosamente, assim como o Sheik de Valentino, também é um Estrangeiro no país exótico onde vive, ele é um Cozinheiro francês. Normalmente, o estrangeiro é sempre motivo de riso e pilhéria. Seu sotaque e seu desconhecimento da cultura local, normalmente o envolve em confusões e mal-entendidos. Seria o caso aqui também? Também, por ser estrangeiro atrai a atenção e desfruta da primazia de ser o novo, o diferente, fonte de exotismo atrativa. E dessa forma parece ter despertado a atenção e a paixão na Moça (Garçonete), que na verdade é desejada pelo Moço (Garçon) que por sua vez é a paixão da Noiva (Gerente). Estamos quase lá “O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante” de Peter Greenaway. Estamos quase lá, no universo do filme citado pela peça ou aludido pela encenação, visto que sobre a mesa de preparação dos inocentes crepes e galettes, apesar de não dar para ver muito bem, ao final do espetáculo, é revelado o desenho de um corpo disfarçado por frutas e alfaces. Estamos quase lá no canibalismo do filme. Eu disse quase... Apesar desse quarteto estar enfeitiçado pelas paixões e pelo amor isso só se realiza num plano onírico, ou do desejo sonhado, desenhado pelos flashs da luz vermelha. Entretanto, o único que parece não se manifestar no extravasamento de sua paixão é o próprio Sheik, o Cozinheiro. Enquanto essas declarações de amor vão se sucedendo no ambiente dessa cozinha subterrânea, no fundo do sonho, vai transcorrendo no alto, na sala do restaurante o pesadelo. Uma espécie de contaminação geral dos clientes, uma sorte de epidemia, uma peste que se abate sobre eles, uma contaminação geral de todos por uma intoxicação advinda dos pratos ali preparados. Todos os clientes são abatidos, até aqueles que não comeram e que só beberam, um efeito alquímico destruidor, de vasta proporção, que os arrasa. E não há saída, pois se eles regurgitam logo se contaminam pelo retorno de seus próprios vômitos, o que acaba reforçando a impossibilidade de salvação e só aumenta a contaminação geral. A maneira dos Rinocerontes de Ionesco, a população dos clientes do restaurante vai se transformando nessa massa putrefata de corpos abatidos pelo mortífero efeito do veneno. Assim como nós que também provamos no início as empanadas... Do quarteto amoroso e apaixonado quem seria o assassino? Todos suspeitam de todos? Não há acusações. Quem teria motivos para envenenar toda essa população? Com qual a motivação? Vingança? Nosso Sheik, cozinheiro insatisfeito? A única coisa a fazer é se salvar abandonar o barco, fugir. E aí os planos de fuga são esboçados. Ao partirem, continuarão, assim, de lugar em lugar brincando de assassinos? Aproveitando-se da falsa aparência de uma inocente creperia para contaminar a todos com seu jogo mortífero? Parece haver algo de podre na Sala de Jantar e de Doente, muito doente na cozinha do Galette-Argentina.

Festival Internacional de Teatro Universitário - Blumenau

Sapato sujo na soleira da Porta. Orientação, Grácia Navarro. Grupo do Trecho, UNICAMP, SP.
************************************************************************************* Fomos convidados a tomar um ônibus e seguir para o local escolhido pelo Grupo do Trecho. – “Para uma visita ao Albergue da cidade”, informou a voz que organizava a excursão. Quanto mais nos distanciávamos do centro da cidade, deixando pra trás a cenografia fake do cenário da colonização alemã, mais adentrávamos na Blumenau profunda, em um dos seus interiores que até então a festa do festival e o movimento da rua XV nos impediam até de imaginar que isso existiria por aqui. Saímos do centro e fomos para periferia, fora do centro. Pouquinho antes de chegar uma atriz representando um Repórter se junta ao grupo e procura “adensar”, nosso olhar e nossa percepção sobre nosso destino, com seus comentários e perguntas. Não precisava exagerar na visita guiada, o grupo já ia tirando suas conclusões e meditando sobre a excêntrica viagem. Sua tentativa de travar uma conversa com os passageiros-espectadores da excursão parecia querer esquentar, preparar-nos para visita guiada até o local da situação, uma espécie de prólogo cifrado. Eu aproveitava para meditar sobre o fato de que, de maneira geral, é no percurso que nos transformamos efetivamente em espectador, que nos colocamos em estado de alerta e interesse diante do fato teatral. Isso para qualquer espetáculo. Chegamos. Ao adentrarmos nos limites do Albergue nos deparamos com outro personagem, aquele do “Eu sou um engodo!”, de chapeuzinho Árabe. A visita guiada não é tão guiada assim, pois se trata de uma reportagem que está acontecendo, onde a Repórter além de tirar fotos parece irradiar ou gravar os acontecimentos com um outro aparelho meio rádio, meio gravador, pouco importa, isso não faz a menor diferença. A repórter parece conhecer tudo que de antemão pergunta. Não há surpresas. Ela transita pelo espaço como se o conhecesse. Ela não o descobre. Seria ela uma albergada que fingiria ser um repórter para dar algum sentido a essas vidas reclusas? A minha primeira impressão como espectador-visitante ao local é de total violência! É ultrajante! É um abuso desnecessário explorar esse ambiente de onde se depreende uma sórdida precariedade local. Qual o limite entre a ficção e o real? O real é a realidade daquele ambiente, carregado de um odor característico; úmido molhado; o provisório das instalações, e tudo que todo mundo viu e pode imaginar. Não vou me alongar. De onde estava via os beliches escuros e as cobertas, imaginava o estado daquelas instalações pelo interior; o frio opressor; a chuva; a lama; o sapato sujo na soleira da porta; algumas figuras deitadas em suas camas olhando fixamente o nada; pouca gente de lá assistindo a peça. Comparava aquelas instalações e ambiente do Albergue, com a da Colônia de Paracambi, no Rio de Janeiro, que visitei há tempos atrás. Enquanto eu trocava umas rápidas palavras com o Sr. e a Sra. que me explicavam sobre os tapetes e as sacolas que eles produzem e que são vendidos na PROEB, a representação da reportagem prosseguia e cada vez mais nosso falso guia, a Repórter adentrava-nos no coração do seu fato jornalístico; ou seria uma pesquisa antropológica? Ou um programa daquele tipo Mundo cão! Não... A reportagem avançava. E das entrevistas a Repórter arrancava dramas que se sucediam, foi-nos contadas as histórias da Loura, da Noiva, do Mergulhador, com direito à participação especial de algumas albergadas, uma como Cigana, a outra como Dama de Honra da Noiva e a Mulher do Bar... Nosso turismo exótico continuava... Por conta da situação ficcional ouvíamos sempre relatos do Eu. Depoimentos. Isto é uma espécie de Dramaturgia do Eu-Biografado que era reiterada por cada ator ao representar seu Tipo-Afligido pelo flagelo da desesperança e do esquecimento. Todos, não só os seres ficcionais e os albergados, todos ao perdermos algo, passamos a construir a espera por outro algo. Em alguma medida essa construção simbólica se instaura. Parece ser essa também a crise das figuras ali representadas, incluindo a Repórter. O Relato da perda e da tentativa de reparação que nunca chega. A projeção para o futuro por conta do Encontro redentor! O caso é que meu espírito mantinha-se dividido. Pra mim isso que acabo de descrever não era o mais importante. Era assistido de rabo de olho. Apesar de reconhecer que todos os integrantes do grupo são muito bons atores dando claras demonstrações de suas habilidades e competências performativas. A realidade chamava meus olhos com a urgência que só a vida pode ter. E eu pensava... Mas, por que trazer essas histórias para esse ambiente? Não havia albergados lá ontem? Se eu fosse Albergado, deprimido e estivesse no estado daqueles senhores lá, isto é, no limbo existencial, “mas é nunca que eu queria ver a história da minha vida sendo contada, repetda assim na minha cara e diante de todo mundo...” Meio sociodrama ou psicodrama... Vou explicar para o Sem Terra, o que é não ter a terra? Ele sabe melhor do que eu. Talvez, sim, possamos fazer alguma coisa juntos e permitir que ele me descubra integralmente e me reconheça como um outro. Coisa difícil para quem perdeu sua estima. Eu deduzia... Mas o Grupo deve ter feito uma pesquisa de campo, um exercício antropológico para descobrir essas histórias todas que está nos contando, mas por que contá-las nesse lugar? Ele é imprescindível? Que diferença faz contar aqui ou na rua? Ou numa praça ou parque? Claro, entendi que não se trataria aí de teatro de rua, mas sim de teatro na rua... Saímos do centro e fomos para periferia. E na periferia permanecemos. Pois nossa visita turística também foi periférica. Só circulávamos no perímetro do albergue sem adentrar em seu centro. Talvez tenha sido uma imposição do pessoal da Sala dos Educadores do Abrigo? Pouco importa... Só corremos o perímetro do perfil daquelas criaturas, jamais seus corações... O Grupo escolheu os lugares mais adequados para “representar” suas histórias, esses documentos de vida e morte, mas sempre contornando o problema, assim como contornava a própria dramaturgia do espetáculo que dava voz ao excluído. No plano ficcional, pareceu-me que a representação da reportagem terminara quando a Repórter fora tragada pelas demais figuras por conta de um saturamento provocado por sua intromissão num “universo” que acabava por subtrair a sua voz de matraca. Fim! Aplaudo? Vou aplaudir o que? A miséria humana? A solidão do Sem domicílio Fixo? A atuação dos artistas que é capaz de imitar com sucesso um ente desesperado, sem abrigo e meio biruta? Eu já sou tímido. Fiquei mais intimidado ainda diante da possibilidade de manifestar fisicamente o que quer que fosse ali, diante daquelas pessoas, diante do que aquela instituição significa. E depois tem o apito! Aquela autoridade meio rerpressora... Impasse. Apesar da construção de um realismo fantástico ou meio mágico por conta das atuações, como bem me comentou o prof, Stephan em nosso bate papo depois, constatei pra mim a total inadequação daquele lugar para realização de vocês, e constrangimento que parece era maior para nós na condição de espectador-turista. Para os Albergados ficou, suponho, com licença da presunção, suponho que tenha ficado somente, a indiferença, graças ao artificialismo da situação. Nos perguntávamos já na volta, com o Renato, Natasha e uma Senhora que era público de verdade: Os Albergados elegeram vocês para contar as histórias de vida deles? O que legitima a posição do grupo diante de tamanha intromissão num ambiente que não acrescenta, absolutamente, nada à história que o grupo quer nos contar? E aí? Você chega, pede licença monta sua peça. Eles ajudam um pouquinho. Vamos embora e fica tudo como estava antes. Se o teatro é uma arte tão subversiva e transformadora, em que medida vosso grupo anda operando essa transformação pelos Albergues que vem passando. Bacana! Teatro como ação social e movimento de reintegração na vida tributária daqueles que ainda não se adaptaram bem a ela. Bacana... Seus Biografados, aqueles da pesquisa de campo. O que receberam de vocês? Ou, o que mudou na situação deles depois que vocês apresentaram as suas histórias ficcionais baseadas nessas histórias reais? Num dos filmes que o prof. Faleiro selecionou para mostra de Vídeo, a um em especial que se destaca e pode ajudar-nos aqui na nossa meditação sobre o caso específico de ontem, Um Soleil à Kaboul. Nesse documentário onde Arianne Mnouchkine e sua trupe se deslocam até o Afeganistão ela oferece aos teatristas locais o que ela sabe fazer de melhor, é claro, o seu teatro, oficinas. E em meio à delicada experiência de trocas simbólicas interculturais, com o risco da guerra, ela diz a um grupo de atores afegãos que eles têm uma missão. A missão deles, segundo ela, é trabalhar na reversão do uso da burka que o costume cultural local impinge a Mulher. Sabe lá o que é ter que ver o mundo por uma janela que ao mesmo tempo me esconde de tudo... O que me interessa aqui é pensar essa atribuição de uma missão? Quem delegou essa missão a vocês necessita trabalhar para ajustar o curso das relações, para pensar estratégias e procedimentos que ultrapassem o próprio teatro, se for o caso, naturalmente. O problema que o trabalho de vocês nos coloca é o problema da ética, como todos estamos a comentar. Da ética profissional. Quais são os limites das relações estabelecidas entre entrevistador e entrevistado? Eu tenho a autorização desses seres estudados para por sua as suas trajetórias em cena? Apesar de recriadas poeticamente? A pesquisa de vocês envolve seres humanos, apesar de serem aqueles que estão em estado de risco, de abandono, e sem domicílio fixo, quase ninguém. Os procedimentos dispensados por vocês na apresentação são de natureza absolutamente invasiva e intimidante. Pode ser que vocês se sintam protegidos por se “transformarem” em mais um deles, albergados, e todo esse desconforto seja só meu de espectador inadvertido. Acho que têm razão Joazinho Trinta que disse: “O povo gosta de luxo. Quem gosta de pobreza é intelectual”.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

22 FITUB - Mirandolina

Mirandolina de Carlo Goldoni
Direção de Márcio Tadeu, Cia de Teatro a Blau quer falar, UNICAMP, Campinas.
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Parafraseando Bernard Dort em O Teatro e sua realidade eu também pergunto: Por que montar Goldoni, hoje? A pergunta pode soar estranha, mas a resposta me parece muito lógica. Ora, Goldoni é um clássico. Não é brasileiro, mas é quase. É italiano. E a Itália é logo ali. Sobretudo a Itália da nossa imaginação. É quase como se fosse brasileiro. Depois tem a tradição. Esse texto já foi montado no Brasil várias vezes. Que eu me lembre de cabeça pelo menos por Bibi Ferreira e seu Pai, o célebre ator Procópio Ferreira lá pelos anos 50 ou 60. E depois foi montado também pela Dona Fernanda com o Teatro dos Sete, Sérgio Brito e Ítalo Rossi com direção de Gianni Ratto, outro italiano que foi abrasileirado. Encenações por assim dizer clássicas, também. De tempos em tempos, é isso, esses clássicos voltam. Um clássico nunca chega, está sempre voltando. Nos revisitando... Outro dia mesmo, ano passado, foi montado na cidade onde moro, em Curitiba pelo Mauro Zanatta e o Roberto Innocente. Então poderíamos arriscar que o clássico se manteria atual por uma sorte de permanência de suas idéias e valores, estabelecendo uma tradição. E por outro lado, que esse mesmo conteúdo repercutiria, tanto aqui quanto lá, em sociedades distintas, atravessando as épocas e países, certamente? E na Itália? Valeria a recíproca? Isto é, os nossos Martins Pena ou Nelson Rodrigues seriam clássicos lá? Eu não vou responder a essas perguntas. Contento-me em colocar a questão. Para tanto recorram, por exemplo, a Ítalo Cavino que escreveu sobre a questão no seu Por que ler os clássicos. Será mais proveitoso do que minhas considerações aqui. O meu problema é outro. É como construir um caminho interessante, um fio condutor para poder comentar sobre o espetáculo de ontem. Jean Duvignaud, estudioso da sociologia do teatro, afirmava que haveria certos textos que não poderiam ser montados porque a sociedade não ofereceria mais os atores a eles adequados. E que os atores seriam incapazes de levar a cena àqueles textos, e apresentar aquelas personagens ao público daquele período. A sociedade teria então que esperar pela preparação desses atores que pudessem dar conta desses textos. Em parte, percebi ontem o problema que Duvignaud havia levantado. Ou seria a minha falta de educação estética que me deixava inquieto diante daquele espetáculo que me pareceu tão lindo, porém tão distante. E aqui não estou a falar do Sr. Brecht, não. Vocês me entenderam. Mas Goldoni é um clássico! E eu como estudante de teatro hoje, no Brasil, tenho o direito e o dever de aperfeiçoar minha formação passando por um texto clássico sim, e por que não Goldoni? O caso é que esse texto, assim como outros clássicos, não foram escrito para nós. Foi escrito faz tempo e para a sociedade onde vivia Goldoni; é ainda composto por 5 atos; foi feito para um teatro que não possuía luz elétrica; e onde o espectador e ator tinham intervalo! Intervalo Senhores! Intervalo pro ator recobrar o fôlego; o espectador retomar a paquera, rever os amigos, reparar no mundo à sua volta; e os empregados do teatro refazer as velas para iluminação dos lustres do palco e da platéia. Intervalo... Coisa que não conhecemos mais. Desapareceu de nossa cultura teatral. Os intervalos, coisa mais fora de moda, dizem que só sobrevivem hoje nas encenações de algumas velhas óperas... ou na televisão, onde o sistema capitalista nos bombardeia com as últimas novidades, de que certamente não preciso, mas provoca o meu desejo compulsivo de consumir! Mas e daí? E a Mirandolina? A dona da estalagem-albergue-hospedaria onde se passa a ação da peça de Goldoni? Bem, a estalagem, albergue, hospedaria está representada por toalhas, panos, colchas e todo tipo de tecido claro de brancura invejável, que nos remete a clássica cenografia de Visconti, se não me engano, para uma outra montagem, essa lá na Itália. Acompanha esse grande varal de pensão, as cortinas que permitem aos atores montar os ambientes onde a ação se desenvolve: quartos e sala do interior da estalagem, etc. e ainda dão um ar de tablado de comédia dell’arte. Tudo muito alvo, que nos remete aos trabalhos manuais, “feito pelas minhas próprias mãos”, o lavar, o passar e o engomar dessa Dona da pensão-hotel do século XVIII, Mirandolina. Essa sagaz comerciante em ascensão que conta com a colaboração de seu fiel Criado, seu futuro marido; um Novo-nobre-rico que comprara sua nobreza e outro Nobre, aristocrata decadente; Saltimbancos, mulheres da vida, artistas de teatro oportunistas na luta pela sobrevivência; e um jovem Cavaliere de espírito avisado contra as dissimulações do mundo feminino, inapto às convenções da mundanidade de seu tempo. A peça de Goldoni quer contar a história dessa mulher muito auto-suficiente, emancipada e esperta para seu tempo? Ou o caso do Cavaleiro inábil com as coisas do mundo que no início da ação despreza as mulheres para no seu desfecho terminar um homem transtornado pelo amor e pela paixão que maliciosamente foi plantado em seu coração? Ele um joguete dela? A matriz da Comedia dell’Arte certamente está lá está, ela subjaz, mas não parece ser mais o cerne no plano da narrativa. Em sua história, Goldoni exibe os segmentos sociais de outrora Aristocracia, Patrão, Comerciante, Criado, Cavaleiro, Artista de teatro, dentro de um diapasão mono-temático, ou de mono-desejo. Cada tipo quer só uma coisa, mas quer muito, isso que deseja, e é esse conflito de quereres elevados que estimula o riso do ridículo. Goldoni coloca em ação temperamentos e comportamentos que ainda hoje sobrevivem. Ele distribui a avareza, hipocrisia, arrogância, ira, luxúria, inveja, humildade, generosidade, temperança e tantos outros vícios e virtudes de seu tempo em seus tipos, visando o espectador, certamente. O objetivo da comédia era chamar atenção do público, que apesar de rir, precisava se corrigir e aperfeiçoar o seu comportamento com o fim de se tornar um cidadão melhor, um homem melhor. Subjaz, portanto um substrato até mesmo político, subversivo que sinaliza a mudança da situação para direção de uma nova ordem. E hoje? Como ficamos? Num mundo globalizado por mercadorias do desejo? Como fazer falar esse texto hoje, inclusive fazendo-o dizer coisas que não tenha podido dizer no tempo de Goldoni, pois Goldoni não conheceu a luz elétrica; o materialismo; o socialismo; as técnicas corporais performáticas; o que dizer então do globo de luz, da discoteca, da música super dançante e impagável dos anos 80 que ele jamais dançara ou se quer imaginara ouvir? Como atualizar sem perder o conteúdo e o valor humano depositado nesses seres ficcionais? A Mirandolina concebida por vocês é pop! É disco! Entretanto, essa leitura pop não toma conta do todo do espetáculo. O princípio da discoteca com suas luzes e sons emerge em momentos pontuais de aberturas/fechamento, apresentações, conclusão, em momentos precisos. Como fazer o pop, o atual, o contemporâneo, o discol contaminar as atuações desses seres ficcionais que já também não são mais as máscaras da comedia dell’arte? Pois foi o próprio Goldoni quem os alforriou do tablado de uma comédia all’improviso para lhes fixar o caráter mais natural e humano das relações e do pacto social. Como fazer o pop, o atual, o contemporâneo, o discol contaminar por dentro o jogo dos atores e a cena, não sendo só o efeito prazeroso do embalo de um sábado à noite? Esse não é um desafio fácil não. Além de contar a história da mulher astuciosa que engendra a transformação desse homem que acaba se humanizando por conta de seu sofrimento graças a mudança que ela faz operar em seu interior; a peça discute a arte de dissimular, a arte de burlar as aparências. Os Aristocratas jogam um jogo de conveniências viciado e decadente desde o interior do próprio jogo; os burladores oficiais, os atores não sabem adequar a dissimulação ao fora do palco; o Cavaliere não é dotado dessa habilidade. E quem não sabe jogar o jogo torna-se a sua vítima. Sim, vítima, ele sabe que precisa evitar certas circunstancias para não se deixar afetar por esses efeitos; somente Mirandolina é consciente bastante de seu talento performativo para ser capaz de manipular gesto e voz no intuito de jogar essa dissimulação. Por isso ela é Mirandolina. O caso é que esse efeito subversivo do riso causado pela dissimulação opera no nível da palavra, e é aí, me parece, que a concepção da montagem em termos disco-dacing tem dificuldade de se ajustar a essas ondas de palavras, que inclusive são reiteradas e repetidas, pois como falei eram 5 atos, e o espectador de Goldoni precisava ser lembrado o tempo todo de tudo que acontecera, precisava dessa constante reiteração, tinha os 4 intervalos, coisa que, creio, nós não precisamos mais hoje. E se não precisamos dos 4 intervalos, será que precisamos de todas as palavras desse texto? E, portanto, apesar do excelente conjunto de atores ter um corpo presencial, que me apresenta o personagem, super bacana, por meio de habilidades corporais, que além de expressivas são invejáveis do ponto de vista do treinamento, suas vozes se conectam timidamente com o universo do jogo das palavras, as nuances dos jogos que são verbais antes de serem corporais, uma fabricação do espírito. Certa vez perguntaram a esse mesmo Procópio o que seria indispensável para um bom ator. E ele disse. – Meu filho um ator precisa de três coisas no teatro: a primeira é Voz, a segunda é Voz e a terceira também é Voz. E talvez por algumas dificuldades técnicas inclusive devotadas ao espaço, ontem nós tenhamos nos distraído na discoteca e esquecido de fazer falar essa voz, que com dificuldade chegava até nós. E por fim, foi se cansando, perdendo o fôlego, meio que se esquecendo de que estávamos lá também para ouvir e não somente ver o que vocês são capazes de fazer com as palavras de Goldoni. Dessa forma fica bem claro pra mim que há um discurso disco-pop super bacana, criado por fora que envolve a encenação, composto por uma escolha musical muito dançante, que se estabelece tangenciando o comportamento da cena. Uma sorte de comentário. Esse comportamento de cena se mantém no plano de uma certa verdade histórica, com os figurinos “de época” que cuidadosamente nos remetem de volta ao tempo da ação no séc. XVIII. Há momentos em que essas linhas se cruzam, mas não o bastante para firmar uma linguagem, ou arriscar numa estranheza que redimensione o discurso do autor.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Festival Internacional de Teatro Universitário - Blumenau

Cien pedacitos de mi arenero, de Laura Fernandez
Cia a 6 grados de distância, IUNA, Buenos Aires, Argentina
Direção de Laura Fernandez e Julieta De Simone
O propósito do comentário e breve análise, como esse retorno que vou tentar fazer aqui e que não sei se serei tão exitoso quanto a encenação do espetáculo de vocês o foi, esse retorno, não visa nada mais do que a possibilidade de prolongar o prazer ou o desprazer do espectador e a possibilidade de estabelecer um novo diálogo entre os criadores e nosostros que desfrutamos da obra apresentada.
Há diversas questões muito atraentes propostas pelo espetáculo. Elejo uma, a morte. E aí vocês se colocam em muito boa companhia. Esse era um assunto que encantava Nelson Rodrigues; ou ainda, apesar do realismo sugerido por vocês é impossível não se recordar de Kantor e seus manequins, seu teatro da morte, e mais uma vez vocês estão em outra excelente companhia. Entretanto, pelo que vi apesar da Morte estar referenciada em cena pelos corpos-cadávereres-embalagens-manequins apesar desse objeto referencial, ela está ao longo do espetáculo sempre no fora de cena pois ela é o objeto sobre o qual se fala. Além de projetada por nossa possível identificação, a morte é lembrança na aliança ensacada, “prova evidente do crime”, que nos coloca como coniventes com o crime.
Parte do grande interesse que o espetáculo desperta advém de um engenhoso achado situacional. O “achado” ao que me refiro é a base realista, ou por que não jornalística, da qual parte a situação onde se passa a ação, que é de grande valor para o que se desenvolve a seguir em cena. A sinopse do texto ilustra um pouco mais o local e as circunstancias da inusitada coincidência do encontro entre esses Marido-Assassinos.
O texto nos diz ainda que os personagens são quatro: O Estrangulador; O Empurrador; O Eletrocutador; e O Envenenador conforme vimos em cena ontem. Até aí, tudo muito claro e coerente inclusive, sugerindo certa sintonia com as últimas sórdidas notícias das nossas páginas policiais, onde em alguns meses a mídia noticiou casos fatais de outros Empurradores... Como se pode ler no texto, a maneira como esses Maridos-Assassinos são descritos, de ante mão, já se pode antever a ação terrível e hedionda que realizaram. Igualmente sobre o palco também podemos deduzir, desde a entrada de cada um deles, pois trazem consigo aquilo que seriam as provas de seus crimes, os corpos mortos, essas embalagens femininas. Desde aí, podemos intuir a horrível tragédia.
Seriam esses corpos-embalagens a marca da presença das sombras do que buscamos negar? E refutar? Esse outro lado obscuro do masculino que tentamos reprimir? Talvez em parte. Quem possui quem? Apesar de estarmos a falar de maridos assassinos que tentam desovar os cadáveres de suas mulheres, após terem arrastados esses corpos a procura do lugar ideal por uma cidade qualquer, não estaria a cena também querendo nos dizer que esse corpo morto esse duplo-feminino-fantasia é quem possuiria seu Assassino? Como carregar fisicamente e manipular esses corpos? Um Assassino trás na memória suas Vítimas, pelo menos um assassino de teatro...
Em que medida, portanto a partir de certo ponto não são essas Vítimas ou seus Fantasmas que possuem e afetam seus Algozes. Como se livrar da coisa quando a coisa está dentro de nós? A princípio, ao ouvir o diálogo que se desenvolve entre os 4 maridos-assassinos poderíamos dizer que se trata de uma visão extremamente machista, ou seria misógina? Qual a fronteira?
O diálogo sobre as reclamações e queixas acerca do cotidiano com suas esposas, que eles desabafam entre si, seria o diálogo que deveriam, por força de uma lógica da ação ou plausibilidade da relação, terem tido com suas mulheres. Só que é complexo, trabalhoso e doloroso construir esta possibilidade de diálogo entre as diferenças daquele feminino morto e desse masculino vivo protagonista vigoroso da ação morticida.
O diálogo em cena é capaz de se estabelece com o Outro que é igual a mim, insatisfeito como eu, incrompeendido como eu, mas não com o Outro que é diferente, diverso de mim. E no crescendo desse diálogo das confissões e acusações particulares quando os 4 se exaltam, brigam e fazem as pazes, extravasam (pelo jogo) de forma infantil-adolescente como numa brincadeira onde depois de subjugar e humilhar um deles, se confraternizam com a farta distribuição de doces beijos de perdão para logo recomeçarem suas provocações.
Que dizer: Estou saturado e como a relação não me agrada mais, me sufoca, mato minha esposa que me repulsa. A esse comportamento violento se opõe a idealização da relação com o outro manifesta no momento em que ao cantarem os 4 assassinos se tornam uma única voz. E a seguir dirigem suas falas aos espectadores. Os espectadores coniventes? E as espectadoras ultrajadas? Quem é a verdadeira "cadela e puta"?
Dessa forma temos uma cena que se organiza segundo uma chave bipolar - Vida / Morte; Macho / Fêmea; Homem Vivo / Mulher Morta; Ideal / Real; Trágico / Cômico; Palco / Platéia – pares de oposições que se constroem num crescendo e que diante da precipitação do fim, mostra que as vozes masculinas se tornam agora uma só, visto que o diálogo anterior que era estabelecido pelos quatro acaba por se revelar, finalmente, como uma instância monológica que procurava mais justificar as causas de seus feitos do que expiar a sua culpa, chorar a ausência ou sofrer pela perda.
Vou destacar 2 momentos que fazem, a meu ver, uma alusão que traduz por oposição os comportamentos feminino e masculino em cena: 1. Quando sobre a cabeça de Luiza um pequeno abajour é acesso; ou 2 quando na seqüência, um prato com frutas (banana e laranja) é colocado sobre o ventre da mulher-assassinada-morta-mesa-objeto-de-decoração-natureza-morta, mas que mesmo assim não deixa de aludir à uma fertilidade, um porvir, uma esperança de futuro que foi interrompida. Da mesma forma a Luiza-abajour com sua cabeça iluminada, ou a mulher-objeto-poltrona-que me abraça não estariam nos dando um sinal de que também uma inteligência e um afeto, uma razão e uma emoção diferente da minha foram assassinada? Parece que o inferno aqui é bem o Outro, só que o Outro diferente.
O discurso de “emancipação” da mulher nos foi dado conhecer na década de 60’. Seria esse espetáculo o princípio de uma voz de um novo-velho discurso masculino sobre a condição do feminino? A novidade é que ele é engendrado pela ótica de sua autora e diretora. Ou seria simplesmente a extirpação de nosso duplo, essa parte doente que todos carregamos com maior ou menor intensidade e por vezes queremos matar? E não conseguimos!

sábado, 10 de maio de 2008

Conselho Nacional de Política Cultural

Conheça o Conselho Nacional de Política Cultural. O Conselho Nacional de Política Cultural - CNPC é um órgão colegiado integrante da estrutura básica do Ministério da Cultura e foi reestruturado a partir do Decreto 5.520, de 24 de agosto de 2005. Este órgão tem como finalidade “propor a formulação de políticas públicas, com vistas a promover a articulação e o debate dos diferentes níveis de governo e a sociedade civil organizada, para o desenvolvimento e o fomento das atividades culturais no território nacional”.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Royal de Luxe - Teatro de Rua

Para se perceber a especificidade e variedade da linguagem teatral, observem este pequeno filme que documenta a passagem da "Boneca Gigante e seu Elefante" por Santiago, no Chile. Trata-se da trupe francesa Royal de Luxe. Bom proveito!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Teoria do Teatro / Manifesto Futurista

Já se encontra na pasta 89 uma cópia do manifsto futurista. Segue link http://www.pitoresco.com.br/art_data/futurismo/index.htm

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Revista Correio da Unesco

O Correio da Unesco é um periódico publicado pela UNESCO. O períódico é editado em várias línguas. Segue abaixo o link da publicação em espanhol do número especial de NOVEMBRO de 1997, dedicado ao teatro. Boa leitura! Correio da Unesco número especial sobre teatro

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O Homem do julgamento

O Homem do Julgamento[1] Anne Ubersfeld[2]
Já se repetiu o suficiente! A era do diretor acabou. Acabou-se a era do demiurgo obcecado, do tirano lunático. Diretor-deus, atores robôs; tudo isso terminou: criação coletiva, a era do cenógrafo… Sim, mas… quando nós vamos ao teatro, e quando gostamos, é evidente que é a obra de um homem que fomos ver. Um homem de carne e osso. Nós vamos, excitados, ver o último trabalho dos mais célebres (não esperem de mim uma premiação), daqueles cuja maneira de trabalhar nós conhecemos — ou dos iniciantes na carreira, os quais procuram a sua maneira. Cada um deles, único. E é bem verdade, porém, que o papel do cenógrafo nunca foi tão grande, pois, mais do que nunca, uma criação teatral é a criação de um espaço, de um espaço único, exclusivo para tal obra, único neste momento preciso do tempo em que vivemos. Este espaço, é o cenógrafo quem o cria, o constrói, mas, é o diretor que o escolhe. Que o escolhe a favor e contra o sentimento de seu tempo. Mais do que nunca, talvez nesta era de imagens, o diretor seja o homem que julga. A obra onde Kant[3] expôs sua teoria sobre a arte tem por título A Crítica da faculdade de julgar. A esfera da arte é o lugar deste julgamento particular ao qual se dá o nome de julgamento estético. O julgamento, a escolha. A escolha, em primeiro lugar: a escolha da obra em função de quais critérios? Eles são tão misteriosamente pessoais quanto contextuais. Escolha de práticos (o cenógrafo entre todos, escolha capital); escolha de corpos e escolha de vozes. E o que seria uma encenação senão fosse esta perpétua luta entre a necessidade interior do projeto e as determinações materiais? (Este ator? Ocupado, muito caro… Esta maquinaria, este cenário? Neste lugar? Impossível.) E é precisamente esta luta que define, com todas as suas probabilidades, o trabalho e a posição de todo artista: luta do projeto a favor e contra as limitações do real. O diretor, portanto é um artista no sentido amplo do termo. Mas menos senhor de sua matéria do que, por exemplo, o maestro de uma orquestra. Artista paradoxal: ele possui a escolha, todas as escolhas, a escolha de um texto ou de uma ausência do mesmo; escolha de uma estética (ou mais modestamente de um estilo); escolha dos práticos e dos “intérpretes”, como se diz. Mas ele não possui a tarefa prática do trabalho: não é ele que faz as maquetes, não é ele que atua (e se ele também representa é sob um outro registro). Ele decide, mas não faz, e como diz Strehler[4], vive a mais intensa frustração: quando o teatro começa, concretamente, fisicamente, ele termina, faz as malas. Ele não faz, mas julga. Julga sem parar. Julga aquilo que o cenógrafo lhe propõe; julga o trabalho do iluminador; julga na proporção do que lhe mostra o ator; o mesmo ator que ele já escolheu. Como ele será capaz de julgar, se não for em função de um projeto e de uma estética, que são exatamente os seus, porém sem cessar influenciados pelo contato com um real exterior, não somente com esta “matéria” que são os outros artistas, mas com outros projetos, de produções estéticas já elaboradas, que vêm dos outros e estão, em relação a ele, distantes. Destas produções, destes conjuntos dispersos, ele é obrigado a fazer um texto. Então, sem cessar, ele seleciona. Julgar é selecionar, separar a boa semente. Ele pára repentinamente e grita: — “Sim, é isso aí, continue! Sim, fixa esta entonação, este gesto.” Ou: — “Não, pára, você está no caminho errado!” — “Se você não me mostrar nada, diz Vitez[5] aos seus atores, eu não posso fazer nada.” Fazer, para o diretor, não é fazer sozinho, é fazer em companhia de. A tarefa do diretor hoje, mais do que nunca, é fazer contra: contra a percepção imposta; contra o peso incrível dos hábitos visuais, do bombardeamento midiático; contra o choque das imagens previsíveis. Talvez também contra a tentação de ir no sentido destas imagens: o teatro não as alcançará nunca, elas estarão sempre à sua frente e farão parecer, irremediavelmente, fora de moda toda encenação que tiver por objetivo rivalizar-se com elas. É um privilégio para o encenador de hoje dispor de artistas independentes, imaginativos, indóceis, violentos. A tarefa do diretor no presente? Não é mais fácil do que no passado, tão urgente, dramática. Talvez (e talvez seja o meu fantasma pessoal, mas não tenho certeza) seja a de tocar em algum lugar a sensibilidade fugaz, intimidada e pronta a se revoltar. Dar o poder, pela síntese dos meios e dos signos, e pela economia destes meios; escutar a fala humana no que, pelas palavras e pela voz, ela diz de mais importante para nossa vida — ou para nossa sobrevivência.
********************************************************************************** [1] Artigo publicado na revista: L’Art du Théâtre: Actes Sud / Théâtre National de Chaillot, hiver 1986 / printemps 1987, n° 6, pp. 73-74. Tradução e notas de Walter Lima Torres. [2] Anne Ubersfeld é ex-aluna da Ecole Normale Supérieur, pesquisadora e professora emérita do Instituto de Estudos Teatrais de Paris III, Sorbonne Nouvelle. Autora de inúmeros livros tais quais: Lire le théâtre; L’Ecole du spectateur (Lire le théâtre 2); Le drame romantique; entre outros títulos. [3] Emmanuel Kant (1724-1804) filósofo alemão. [4] Giorgio Strehler (1921-1997) ator, diretor teatral italiano. Em 1947 Strehler fundou, com Paolo Grassi, o Piccolo Teatro di Milano. [5] Antoine Vitez (1930-1990) ator, diretor teatral francês. Durante os anos 1980 dirige o Teatro de Chaillot nos anos 1990 a Comédie Française.