Resumo da Aula Aberta nos Seminários Internacionais Trans-Culturais sobre Teatro e Dança - PPGAC - UFBA - Salvador, 25 a 30 de agosto de 2008
Objetivos: Apresentar e discutir as diferentes acepções do trabalho teatral do encenador.
Procedimento: Aula expositiva privilegiando a discussão e o debate com os interessados.
Público Alvo: Alunos-diretores e interessados por direção teatral.
Ministrante: Walter Lima Torres Neto[1]
Os diferentes processos de encenação e as diferentes acepções do encenador
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No início do século XX, mais precisamente por volta de 1903, no bojo do movimento Naturalista, quando André Antoine formalizou algumas idéias a respeito da arte e da técnica da encenação, forçou-se uma ruptura com um modelo anterior de coordenação artística e técnica do espetáculo que era desempenhado pela figura que genericamente podemos chamar hoje de Ensaiador Dramático[2].
De 1903 até os anos 1950 e 1960 perdurou muito fortemente uma tendência na direção teatral que foi basicamente textocêntrica, isto é, o diretor se comportava na maioria das vezes como um porta-voz do autor do texto dramático. Do texto advinha todo o matiz da cena. O texto seria portador de uma essência cuja cena deveria revelá-la o mais fortemente possível. A palavra do autor era traduzida assim do literário para o teatral. O trabalho teatral do diretor primava então por se associar, intimamente, à palavra do autor. Trabalhava-se para ser seu melhor intérprete formulando artisticamente o melhor implemento cênico para maior eficácia do texto teatral à representação diante do espectador. Essa operação se fazia independente do estilo de cada diretor, da tendência natural de cada olhar para cena.
Ao contrário, contemporaneamente, importa menos saber exatamente de quem é a autoria da encenação, pois como se pode deduzir, apesar do sentido advir de uma orientação do “coordenador do espetáculo” — ensaiador, diretor, encenador — é inerente à criação teatral hoje sua capacidade de sintetizar uma prática expressiva que é coletiva, onde por vezes o sentido de autoria se perde. Essa perda é devida às tênues fronteiras entre os próprios agentes criativos que forjam os elementos que constituem a cena. E essa negociação se dá no momento do processo de trabalho onde se busca uma direção, um sentido geral para a obra cênica. E essa é uma forte tendência do momento presente.
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O trabalho de montagem de um espetáculo cênico é a possibilidade de se dizer alguma coisa que não poderia ser dita de outra maneira, em outro formato. A pertinência da idéia ou da questão reivindica a cena teatral como lugar artístico precípuo para expressão dessa idéia, desse problema que aí se apresenta de forma poética.
Cabe à direção teatral emitir um juízo. Um juízo estético. Ter respostas poéticas para a questão que lhe interessa. Dirigir é opinar. É dar opinião sobre um determinado tema, uma certa situação, uma personagem específica, um problema social objetivo, um fato político circunscrito no particular ou no geral de certa comunidade, etc. Dirigir é igualmente coordenar a parte artística e técnica, conciliando o espiritual e o material de um espetáculo. Se por um lado, dirigir um espetáculo é dar sentido a um juízo problematizando-o de forma poética, por outro, conceber um espetáculo é trabalhar com problemas estéticos e éticos.
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Historicamente, quando o coordenador do espetáculo teatral lia um texto teatral era importante que aos poucos ele se fizesse uma idéia, particular, do que poderia vir a ser este mesmo texto num espaço determinado, dito por atores devidamente caracterizados, sob o efeito de certa iluminação, acompanhado ou não de som. De posse desta sua “visão” inicial, é que ele então partia para dialogar com uma equipe de agentes criativos no intuito de estabelecer o encaminhamento que se pretenderia dar àquela obra, na busca por uma concretude que revelasse a verdade daquele texto. Nessa mesma dinâmica o diretor e sua equipe acabavam por revelar as suas próprias idéias. Esse coletivo de agentes criativos manifestava assim uma particular visão de mundo segundo o resíduo ficcional contido no texto teatral interpretado.
Esse foi e continua sendo o perfil daquele que designamos como sendo o moderno diretor teatral. Esse diretor é assim o articulador deste texto dramático que ganha a cena. Ele negocia, artística e tecnicamente, a passagem de uma determinada escrita dramática à condição de escrita cênica por meio do conjunto de agentes criativos que ele estimula a forjarem os elementos que engendram uma teatralidade, a identidade do espetáculo.
Essa concepção inicial do moderno diretor é influenciada pela dinâmica do trabalho artístico dos demais agentes criativos envolvidos na montagem. E, as influências no processo de montagem são por assim dizer recíprocas formando uma espécie de vai e vem entre os agentes criativos — proposta, apresentação e estímulo —. O que estabelece uma sorte de ciclo ativador da criação.
Quando se fala sobre a leitura de um determinado diretor acerca do texto de um autor, procura-se compreender a visão que tem o diretor da obra do autor visitado, visto que é o diretor o responsável pela encenação, e, por conseguinte pelo prazer ou desprazer indireto do espectador diante da linguagem engendrada por ele. A recente montagem de Hamlet por Peter Brook, que visitou o Brasil, chocou certos puristas, pois não poderia um ator negro interpretar o personagem do transloucado príncipe! Independente deste juízo, a visão de Peter Brook sobre o texto de Shakespeare é absolutamente diversa daquela versão encenada, por exemplo, por Patrice Chereau, em 1989 com Gerard Dessarthe no papel do príncipe vingador, enfatizando na sua atuação o aspecto cômico daquela figura real. E ambas montagens destoam das idéias que nortearam o arrojado projeto de Edward Gordon Craig e Constantin Stanislavski para o Teatro de Arte de Moscou, no início de nosso século. Recentemente, o ator Diogo Vilella dirigido por Marcus Alvisi também deu sua contribuição interpretativa ao herdeiro do trono da Dinamarca. Apesar de oferecer a este mesmo texto numa montagem muito interessante, ela era desprovida exatamente desse ponto de vista, ou seja, dessa subjetividade inerente ao olhar do diretor acerca da concepção da cena. Ainda não assisti à montagem de Aderbal-Freire Filho que traz no papel título do herói shakespereano, Wagner Moura, o Capitão Nascimento do filme Tropa de Elite. Já aí na escolha do ator, nota-se um critério interessante, independente do apelo midiático.
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Durante muito tempo a coerência da cena, isto é, a sua concepção — à moda do ensaiador dramático —, esteve subordinada ao gênero dramático ao qual o texto estava filiado. Isto quer dizer que o formato do texto, seu gênero (peça militar, opereta, farsa, revista, burleta, drama de casaca, peça de capa e espada, vaudeville, grand-guignol, comédia, drama, etc) deveria ter uma tradução específica que refletisse exatamente esse formato “literário” sobre o palco. Esse princípio era inclusive muito importante para que o espectador, ao pagar pelo bilhete que lhe dava acesso ao teatro, tivesse a certeza do que iria ver e ouvir.
Nesse sentido, a crítica jornalística especializada foi um agente definitivo na defesa de uma encenação que não desvirtuasse o teor do pensamento e da palavra do autor. Grandes polêmica se estabeleceram em tempos pretéritos. E ainda hoje, vez por outra, é reacendida essa velha polêmica entre agentes criativos e a crítica especializada. O debate se dá quando o argumento empregado pela crítica reprova o que se faz a partir de um texto, quando a encenação não atende às prescrições do autor dramático, traindo por assim dizer o seu “espírito”.
Entretanto, é como diz José Ortega y Gasset — “Todo dizer é deficiente, diz menos do que quer. Todo dizer é exuberante, dá a entender mais do que se propõem” —. Essa ambivalência está na essência do trabalho de exegese sobre um texto dramático. Ela dá a dimensão hermenêutica que estimula o trabalho teatral de maneira geral e a concepção e organização de uma linguagem teatral de forma particular.
Apesar das modificações da sociedade ocidental, das influências de outras artes, do audiovisual e da mídia sobre o teatro, essa visão descrita acima sobre a concepção dos espetáculos vinculados a uma tipologia sobrevive ainda hoje. Esta sobrevivência é constatada naqueles espetáculos explicitamente anunciados como entretenimento. A guisa de exemplo se poderia lembrar de títulos de sucessos históricos como — O Fantasma da ópera; O homem de la Mancha, Choros Line, Evita; Os miseráveis; Cat’s — entre outros que são montados rigorosamente sob um mesmo padrão em todo o mundo, atingindo uma alta escala em termos de reprodutibilidade. Os espetáculos, tal como as encenações de um Cirque du Soleil, por exemplo, são montados independentemente das praças a serem visitadas, sempre no mesmo formato que os originou. Essa reprodução em escala mundial aquece o mercado global da produção cultural e gera um ciclo econômico nada desprezível.
Fazendo um breve paralelo com as telenovelas brasileiras, verifica-se que esse pertencimento ao gênero ou a uma certa tipologia de espetáculos mantém tencionado o fio da convenção que faz perpetuar no folhetim televisivo os princípios do teatro do século XIX brasileiro. Tanto quanto esse teatro de dramaturgia tipificada, auxiliada pelo emprego de atores-tipos para representarem papéis-tipos, a teledramaturgia brasileira se destaca e procura uma parte no mercado da globalização. Porém, muitas vezes, quando não se tem contato com a arte do teatro, e tendo em vista o enraizamento da televisão na comunidade brasileira, esta, por conseqüência, passa a condicionar a criação cênica limitando-a ao realismo audiovisual excluindo, sobretudo a poesia e o poder da convenção teatral.
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Já faz um tempo que me dediquei nas horas mortas ou quem sabe perdidas a pensar um caminho relativamente lógico para demonstrar aos alunos-diretores que esse coordenador do espetáculo teatral reflete em primeiro lugar aquilo que de maneira geral denominamos de “o espírito de seu tempo”. Trata-se na verdade de uma mentalidade possível de ser manifesta graças às injunções cognitivas e as convenções celebradas pela própria sociedade na qual esse agente criativo se encontrava.
Em primeiro lugar, a aparente classificação entre essas três figuras — ensaiador, diretor e encenador — não deve despertar nenhum sentimento de hierarquização. Como veremos os três comportamentos diante da concepção da cena (atuação, espaço, luz, som, cor, textura, forma, tempo, etc) não desapareceram. Apesar de poderem ser localizados cronologicamente dentro de nossa cultura e prática teatral, com maior ou menor intensidade de atuação, suas técnicas e procedimentos se justapõem. As características de seus Trabalhos Teatrais estão presentes ainda hoje em nosso cotidiano. Basta um pouco de observação para detecta-los.
Em segundo lugar tenho que observar a facilidade legada pela própria língua portuguesa que na sua generosidade no oferece essas três denominações — ensaiador, diretor, encenador —. Normalmente, diretor e encenador são sinônimos e empregados com o mesmo objetivo resultando em idêntico significado. Entretanto, em 1982, quando da tradução de A Linguagem da encenação teatral de J-J. Roubine por Yan Michalski, o historiador e crítico teatral afirmava na sua Apresentação inicial desta obra que, seria melhor naquela altura, empregar “encenação” no lugar de ‘direção”, pois, dizia ele — “a nossa direção, além de possuir uma conotação potencialmente autoritária contrária ao espírito que prevalece na obra, refere-se mais de perto ao processo executivo de uma realização teatral, enquanto na palavra encenação vejo implícito, com maior força sugestiva, o resultado da elaboração criativa de uma linguagem expressiva e autônoma”[3] —. De fato o problema não está na riqueza da língua portuguesa, mas sim na exclusividade do emprego do termo mise-en-scène em francês. Esse termo é o único nesta língua para designar a encenação do espetáculo teatral. E por conseqüência alude a palavra metteur-en-scène para diretor ou encenador, apesar da ressalva de Yan Michalski.
Ainda seguindo a pista deixada por Yan Michalski, sobre esse caráter “autoritário” do coordenador do espetáculo teatral como “o diretor”, é importante especificarmos as três figuras ainda pouco enunciadas.
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Em termos cronológicos podemos localizar em primeiro lugar o trabalho do ensaiador dramático como o agenciador do espetáculo teatral num período dito pré-moderno; já a figura do diretor teatral estaria associada a criação da cena na sua fase moderna de nossa cultura e prática teatral; restando ao que chamamos de encenador o papel de criador da cena em tempos pós-modernos.
Antes de descrever as características das três figuras em termos de procedimento de trabalho e concepção cênica seria desejável sinalizar, ainda que precariamente, essas faixas temporais.
Apesar de não ser nossa ênfase aqui, é necessário lembrar que uma periodicidade não é aleatória e não pode deixar de estar associada às questões sociais e, mormente de ordem econômica neste caso. Há uma dinâmica na vida social e econômica que condiciona movimentos de subalternidade diante dos perfis apontados. Ainda não nos detivemos com o afinco necessário que a questão suscita sobre esse problema da periodicidade que continua em aberto.
Entendemos então que, o legado que constitui o conjunto de técnicas e procedimentos de trabalho atribuídos ao ensaiador remontaria ao Renascimento. Desde o surgimento da perspectiva linear; o acabamento da caixa de ilusão da cena frontal com sua moldura e o arco do proscênio; e, a fixação de um repertório de gêneros claramente definidos herdeiro do século XVII pode-se identificar a trajetória desse perfil. Mesmo consciente do problema desta periodização acerca dessas faixas temporais, procuramos localizar o ensaiador nessa extensão temporal devido ao fato de que enquanto o tempo avançava, após a saída da Idade Média, sua função ora era desempenhada por um músico; um cenógrafo; um ator; um autor e, somente na segunda metade do século XIX é que temos notícia de que ele se dedica exclusivamente à representação.
O século XIX é o momento culminante de seu trabalho visto a proliferação de teatros e o crescimento de uma demanda de entretenimento nas principais cidades européias e americanas. Quando eclode o advento do naturalismo no teatro é o ensaiador teatral o homem de confiança de diversos autores dramáticos que com suas peças querem chamar atenção para os novos fundamentos de uma arte que busca refletir o real de forma precisa, expondo a miséria dos ambientes e das personagens, rompendo uma vez por todas com a idealização do comportamento ficcional que reinava desde o classicismo.
Pouco a pouco se delineia o perfil do moderno diretor teatral na esteira do trabalho de um André Antoine e de um Constantin Stanislavski. E daí em diante a noção de um diretor teatral que ao se colocar como porta voz do autor dramático também se vê na eminência de criar uma camada sígnica. Essa camada de subjetividade reflete a sua interpretação daquela obra dramática. E é essa espessura de significados que busca, aderindo ao texto, engendrar uma cena única para este mesmo texto. É o primado das diversas e possíveis versões de montagens de um mesmo texto por vários diretores diferentes. Essas diferentes propostas de montagens de um mesmo texto geram as mais distintas visões cênicas para glória da dramaturgia e sucesso da encenação. Este novo princípio de trabalho estipula a leitura de mesa pelo coletivo criativo e obriga a leitura da totalidade do texto por todo o conjunto de atores que passarão a entender sobre a totalidade da obra e sua idéia motriz. Ou no dizer de Stanislavski, seu super-objetivo.
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Quando da reconstrução da Europa, durante o pós-guerra foi a noção de “Teatro de Arte” que se impôs para colaborar no reerguimento das identidades nacionais. Essa tendência teatral tinha fortes contornos humanísticos e clássicos. Diga-se de passagem, que foi essa concepção, similar aquela da virada do século XIX para o XX, agora repaginada após 1945 que levou Bertolt Brecht e Helene Weigel a se instalarem em Berlim Leste e criarem o Berliner Ensemble em 1949. Em Milão, Paolo Grassi e Giorgio Strehler construíram seu edifício para o Piccolo Teatro de Milano, inaugurado em 1947. Na França o TNP passou a ser dirigido por Jean Vilar em 1951, após convite feito pelo governo. Já desde 1947 esse diretor vinha trabalhando em prol da descentralização em função do Festival de Arte Dramática de Avignon, que ele próprio criara. Na Inglaterra, cujo teatro sempre teve uma tendência fortemente ligada ao entretenimento comercial, estabeleceu-se de pronto a valorização de um repertório que retomava os grandes clássicos elisabetanos. Tratava-se de um movimento geral tanto à leste quanto à oeste de Berlin. Com essa cidade passando a ser uma espécie de ponto de equilíbrio, entre as nações européias após o fim do conflito e o restabelecimento das fronteiras, o diretor teatral foi semeando a necessidade de se repactuar com a sociedade a condição da arte cência pelo canal do “Teatro de Arte”.
Dessa década de 50’ em diante ainda nos anos 70’ e 80’ se afirmava o primado do diretor conforme Anne Ubersfeld gosta de chamá-lo, como aquele “diretor demiurgo” e por vezes irascível na imposição de suas idéias. São os descendentes de B. Brecht pelo viés alemão e os descendentes de J. Copeau por conta do Cartel, e mais tardiamente os herdeiros de V. Meyerhold e dos Simbolistas russos. Para esses diretores o influxo da cena estaria centrado no texto ainda que se divirja sobre o tratamento a ser ministrado. O texto ainda estava circulando entre a periferia e o centro da criação cênica.
A experiência do Cartel na França[4] foi o exemplo mais bem acabado dessa proposta de visão de trabalho teatral junto aos elementos da cena. Esses diretores teatrais ainda trabalhando condicionados pelo texto não deixavam de oferecer um juízo sobre esse mesmo texto. Para exemplificar no caso brasileiro podemos lembrar as experiências dos diretores italianos que tanto colaboraram com o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e que encarnam exatamente esse perfil que estamos descrevendo — Luciano Salce, Ruggero Jacobbi, Adolfo Celi, Roberto D’Aversa, Gianni Ratto[5] —.
Da década de 80’ para a de 90’, aqui no Brasil, há um adensamento entorno da figura do coordenador do espetáculo teatral bastante notória, e inclusive verificada na própria imprensa especializada. Sinaliza-se o dissolvimento dos grupos de “criação coletiva” e afirma-se a preponderância dos “espetáculos de diretores”. Verifica-se, daí em diante, uma série de novidades em termos processuais que altera a promoção, exibição e recepção de uma narrativa cênica, — procedimentos de exploração da cena por conta de novos recursos tecnológicos; realinhamento da chamada direção dos atores propondo-se uma nova situação para o ator no interior do espetáculo; uma nova aplicação da expressão oral e corporal; o estremecimento das fórmulas até então consagradas no emprego dos elementos da cena que são subordinados, não mais àquela idéia detectável ou “lida” no resíduo dramático, no texto teatral tradicional; etc.
A cena agora estava definitivamente livre da literatura dramática ou de um núcleo ficcional que gerasse uma essência para estar subordinada a uma idéia autônoma que se torna encenação[6].
A guisa de conclusão estabelecemos um quadro sinótico sobre estes três perfis que deve ajudar a esclarecer o comportamento diante da produção daquilo que costumamos chamar de encenação ou escrita cênica. (A formatação do blog desfez o quadro. Tentarei outra estratégia para postá-lo).
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[1] Walter Lima Torres Neto é ator, diretor e professor de estudos teatrais no Departamento de Letras Estrangeiras Modernas e no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPR em Curitiba.
[2] O trabalho da trupe do duque de Saxe-Meininger é exemplar como coletivo teatral que opera exatamente nessa fronteira entre o trabalho do ensaiador e a passagem para o trabalho dentro dos princípios do que se impôs mais tarde como moderno diretor teatral. Além de precursores desse novo pensamento sobre os procedimentos de encenação de um texto teatral, essa trupe também é a própria manifestação desse teatro dito pré-modernos. Consulte-se a esse respeito o trabalho de Pablo Iglésias Simón. “Direção cênica e princípios estéticos na companhia dos Meininger”, in: Folhetim, Nº 25, jan-jun, Rio de Janeiro, Teatro do Pequeno Gesto, 2007, pp. 06-31. Ou ainda, a já clássica coletânea de fragmentos de diversos diretores teatrais organizada por Toby Cole e Helen Krich Chinoy. Directors on Directing, Indianapólis, Bobbs- Merrill, 1963.
[3] J.-.Jacques Roubine. Linguagem da Encenação Teatral, (trad. Yan Michalski), Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1982, p.14.
[4] O Cartel foi integrado pelos diretores: Louis Jouvet; Gaston Baty; Charles Dullin e Georges Pitoëf. Tratava-se de uma associação colaborativa informal onde esses homens de teatro que comungavam dos mesmos princípios referente a uma cultura e prática teatral comum, ajudavam-se mutuamente na realização de seus espetáculos e projetos. Associa-se a esses criadores o estabelecimento de uma sistemática na direção da consolidação de um Teatro de Arte nas décadas de 1940-1950 na França.
[5] Consulte-se a este respeito os trabalhos de: Maria de Lourdes Rabetti Gianella. Contribuição para o estudo do Moderno Teatro Brasileiro: a Presença Italiana. Departamento de História da FFCHL/USP, 1988; Berenice Raulino. Ruggero Jacobbi: Presença italiana no teatro brasileiro. São Paulo, Editora Perspectiva, 2002 e Alessandra Vanucci. Crítica da razão teatral: O teatro no Brasil visto por Ruggero Jacobbi. São Paulo, Editora Perspectiva, 2005.
[6] Consulte-se a esse respeito o trabalho exemplar de análise de três espetáculos específicos do então criador cênico Gerald Thomas. Silvia Fernandes. Memória e Invenção: Gerald Thomas em cena, São Paulo, Editora Perspectiva, 1996.