quinta-feira, 16 de julho de 2015

Comentário sobre espetáculo da UNA (ex-IUNA) - 28o. FITUB – BLUMENAU / SC – BRASIL, Junho de 2015.




As turmas de estudantes de teatro muitas vezes são numerosas, e integradas, majoritariamente, por jovens atrizes. Ao menos esta tem sido uma presença observada nas obras cênicas trazidas à Blumenau para o FITUB pelos grupos de formandos do antigo IUNA, atual Universidad Nacional de las Artes. - Todo Hecho; El Cadaver de um recuerdo...; Arenales; Laura; Epopeya Beat, entre outros títulos. Nestes casos, o autor-diretor da encenação ou o autor-professor responsável pela montagem, (a denominação pouco importa), precisa contemplar um coletivo de jovens atores em formação ao mesmo tempo em que propicia o exercício do trabalho teatral aos alunos, as vezes sua última montagem acadêmica e a primeira da vida profissional.
Talvez esta circunstância de ter que fazer trabalhar toda a turma sem personagens fixos, aliada ao rigor de fazer participar a todos e todas, tenha contribuído para dar liberdade e ao mesmo tempo condicionar, cada vez mais, a criação cênica de certas produções da UNA na direção de uma forma teatral que desperta sempre grande interesse. É claro que a encenação também recebe seu contorno contemporâneo graças aos ares de pós-dramaticidade que impregnam a linguagem teatral dos dias que correm, não deixando assim de consolidar uma forma narrativa específica, a forma coral.
Tendo o coro teatral se transformado para dar lugar ao protagonismo de entes ficcionais individualizados, esta estrutura narrativa foi sendo reduzida até se fixar na comparsaria de grandes cenas de balé, ópera e até mesmo do teatro dramático, em certos casos.
Essa forma coral nos lembra os esforços criativos na passagem do balé romântico ou clássico para a dança moderna e contemporânea. Isto é, uma coreografia que dissolvia seus bailarinos protagonistas fazendo com que o grupo atuasse agora de forma integrada, com alternâncias de papéis entre solos, duos, trios, quartetos, graças à diversas combinações temáticas ou corporais, apresentando uma obra coletiva coesa, cujo protagonismo é deslocado para o conjunto de relações possíveis entre os bailarinos que trabalham, coletivamente, integrados. No caso da dança, conforme estou me referindo ao seu aspecto coral, exemplos podem ser observados tanto desde coreografias de Martha Graham como de Pina Bausch. Assim a unidade coral sempre foi um elemento importante para dança bem como para o teatro.
No caso do teatro contemporâneo, que ainda nos oferece obras narrativas, este aspecto grupal e coletivo, esta forma coral, nos leva para uma experiência narrativa de contornos rapsódicos, da qual o espetáculo em questão da UNA reivindica sua origem. O próprio espetáculo anuncia a sua dose de "variações, especulações, e outras barbaridades sobre Hamlet".
Para os gregos, o rapsodo, diferente do aedo, era aquele que declamava. Ele era uma espécie de artista popular ou cantor que de cidade em cidade recitava poemas épicos. No Íon de Platão, o personagem Íon dialogando com Sócrates não se apresenta somente como um mero declamador das rapsódias de Homero, mas também como seu comentarista Vê-se aí que o comportamento criativo possui matrizes que nos atravessam e que são recicladas a todo instante. No caso da montagem da UNA o narrador é plural além de épico, constituído pelo grupo de corpos e vozes que cantam, falam, declamam, discutem, berram e se desesperam... "E por quem? Por Hécuba?"
E é assim, na direção da construção de um grande quadro-musical-comentário geral sobre o ser, o nada, sua loucura e a bizarrice do comportamento humano, todos temas decalcados do conteúdo de Hamlet e da obra shakespeareana, que a encenação de Matías Feldman opera diante do espectador dentro de uma dinâmica musical. Os primeiros espectadores e colaboradores deste comentário geral parecem ser os próprios jovens atores que encontram na encenação, deste projeto de graduação em atuação, um espaço de exercício para sua própria expressão como ator-rapsodo de certos fragmentos-dilemas-hamletianos. A conclusão das formações dos jovens atores se dá assim sob o signo de um dos maiores mitos da dramaturgia ocidental, sem necessariamente se dar ao trabalho de nos contá-la, pois já a conhecemos.
A dramaturgia e a direção de Matías Feldman se atritam com a fábula shakespeareana, mediadas por uma composição cenico-musical, na tentativa de provocar primeiro a imaginação dos jovens atores e depois as nossas consciências de espectadores adormecidos sobre os valores e temas da contemporaneidade: arte desumanizada, autoritarismo, conflito geracional, de classes e de gêneros, diversidade de orientação sexual, imaginação, loucura, violência, e tantos outros temas que por sua vez tornam a encenação um pouco saturada e dessa forma longa. Em todo caso, Feldman não é um iniciante em relação à obra mítica de Shakespeare. Juntamente com Santiago Gobernori criou uma versão "playera", com o espetáculo Hamlet, la obra. (http://www.losinrocks.com/escenas/hamlet-la-obra-de-santiago-gobernori-y-matias-feldman#.VabF3SQZa00). Portanto, o espetáculo de formatura da UNA parece se colocar na esteira de preocupações que já vêem ocupando o jovem encenador.
Um dos motes para exibição de tantas "barbaridades sobre Hamlet" na versão apresentada no FITUB tem sua porta de entrada franqueada pelo próprio labirinto da "cabeça" do desafortunado príncipe. Diga-se de passagem que esse recurso é similar, digo somente em parte, àquele já explorado por Laurence Olivier quando realizou em 1948 o filme, no qual ele próprio interpretava o papel título (https://www.youtube.com/watch?v=5ks-NbCHUns). No filme de Olivier, o cinéfilo observa num certo momento, pelo movimento da câmera, os labirintos do castelo (metáfora da própria mente do personagem), que são percorridos, através da escada, em movimento vertical (num gesto de ascensão à procura da consciência sobre os fatos). A câmera nos leva sobre as ameias do castelo, com vista para o mar, para em seguida mergulhar "penetrando" na mente, na consciência/inconsciência de Hamlet, a perscruta-la... para só então neste instante, Olivier debitar o famoso solilóquio "ser ou não ser"... envolto numa atitude entre o sonho, o devaneio e a vigília... Não fosse o mar uma das mais altas expressões simbólicas do inconsciente...
No caso da encenação de Matías Feldeman, no tocante a esse mergulho na mente de Hamlet, ele é, ao contrário do filme de Olivier, promovido no sentido oposto. Isto é, ele se dá na direção ao mundo inferior, para baixo, desde a toca do Coelho de Alice. Instaura-se um movimento contrário ao ascencional... um mergulho na inconsciência (desejo reprimido de retorno ao útero?), na direção da "pequena morte" orgástica, orgiástica, ao sabor da descida infernal, reveladora das barbaridades que via Hamlet, ainda nos assombram.
Não é por acaso que a entrada da toca se faz com papel, folhas e folhas de papel... "Pode-se perguntar o que meu príncipe está lendo", interroga-o Polonius. Ao que o órfão mais enigmático da dramaturgia ocidental responde, "palavras, palavras, palavras".... É graças às palavras ditas e não ditas, por meio desse monte de papéis, partes e fragmentos que mergulhamos nos questionamentos contemporâneos mediados pelo duplo de uma Rainha Gertrud de Copas cuja expressão castradora faria inveja ao Sr. Freud. Assim, a "entrada" na mente do príncipe vingativo se dá por meio de palavras e palavras... que não param de ser enunciadas como um tempestade pelo conjunto de atores.
Como bem assinala Alejandro Cruz, a platéia se defronta com quinze jovens que se "se transformam em atletas da cena desencadeando os mais inauditos sentidos" para o pacífico espectador. (http://www.pressreader.com/argentina/la-nacion/20150706/282694750824888/TextView).
Eu diria que os atores, inspirados por Matías Feldman, com seu entusiasmo juvenil, e sua capacidade de exaltação rapsódica do espírito hamletiano, provocam no espectador uma estranha sensação invasiva. Esta invasão se dá desde o início da exibição da obra, desde a discussão inaugural, discussão sobre o "ser ou não ser" da própria montagem. Trata-se desde aí, de uma espécie de construção de um estado de receptividade em segundo grau no espectador. Um estado de prontidão semelhante ao da assembléia reunida por Hamlet para assistir ao "Assassinato de Gonzaga". Só que diferente de Claudius, não interrompemos a ação... não saímos da sala nem gritamos "luz, luz, luz!" Somos burgueses sem convicção.... classe média conivente, confortavelmente, instalada em poltronas a delirar, cinicamente, envolvida por suas próprias culpas, que não são tão nossas... dirão alguns...

Diferente do herdeiro do trono da Dinamarca, estamos acomodados e quando agimos é com indiferença... assim, diferente de Hamlet, somos incapazes de agir, paralisados pela hipótese de um pensamento que venha a transformar um estado de coisas caótico, que ao mesmo tempo foge ao nosso controle, tal como o inexorável da trajetória da fábula de Shakespeare que enreda o príncipe ao seu triste destino.


segunda-feira, 27 de abril de 2015

quarta-feira, 22 de abril de 2015

DUVIGNAUD, Jean. "SABBATINI E A CAIXA DE ILUSÃO". IN: Spectacle et Société. Paris: Denoël, 1970, pp. 67-82.


Capítulo II

Niccola Sabbattini de Pesaro é um arquiteto e construtor de máquinas nascido em Pouilles, região fecunda em técnicos deste gênero. Ele teria sido mais um entre tantos outros práticos se não tivesse publicado em 1638 um tratado de ilusionismo: Pratica di fabricar scene e machine ne’ teatri 2. Ele não foi o primeiro a escrever um livro deste gênero: la Pratica della prospettiva (1579) o antecedeu, sem comentar os ensaios de Serlio, de Vignola e de todos os outros que o precederam ou o seguiram. Entretanto, este tratado é o mais significativo. Traduzido para o francês e outras línguas, ele será o livro de cabeceira de todos os construtores de espetáculos. Ele definiu uma técnica de ilusionismo e como se dizia então “visionária”.
Sabbattini é importante, sobretudo por ter consolidado um tipo de cena e de construção cênica; por ter permitido uma dicotomia e uma estratificação na experiência imaginária; por ter, de fato, intensificado as capacidades do homem para construir materialmente o seu sonho.
Antes da reforma de Sabbattini, pode-se dizer que existe na Europa, nas sociedades cujas estruturas tendem à aparição do absolutismo esclarecido (ou seja, por volta do final do século XVI), dois grandes sistemas dramáticos que se manifestam por meio de duas noções diferentes sobre o campo de expressão: a concepção greco-latina que sobrevive dentro dos grupos restritos do clero e a concepção do teatro em afresco dos “mistérios”.
A primeira supõe um muro axial, diante do qual um número limitado de personagens vem comentar os acontecimentos. É o princípio das peças de Sêneca e o princípio das peças representadas nas universidades, ou diante dos grupos de eruditos: as pessoas que integram estes grupos não pretendem a espetacularização concreta, mas a sobrevivência; para obter este resultado, elas contam com o discurso entendido aqui como monólogo. A tipologia dos personagens implicados nesta forma de campo dramático é evidentemente muito limitada: é quase sempre depois do acontecimento ou antes do acontecimento que se situa o drama, a expressão pela linguagem da indecisão ou do sofrimento que se apresenta sempre em função de uma mitologia antiga deslocada de seu contexto.
Num certo sentido, estas manifestações não são mais do que cerimônias “mágicas”, por meio das quais os seletos grupos de clérigos tentam não realizar as condições de existência concreta, mas dando a mão à Antiguidade, estabelecer a sua continuidade. Os mitos que eles exploram são literários, não refletindo nenhuma realidade dentro da mentalidade coletiva presente. Contentam-se com um recitativo bem escrito sobre uma infelicidade sobrevinda provavelmente há vários milênios da época em que os autores exibem esta mesma situação. O muro diante do qual se sucedem os monólogos é antes de tudo simbólico: poderíamos dizer que ele separa o teatro da vida social. No lugar do antigo muro, que era como um plano unidimensional de uma frisa, de onde se destacavam fortemente os personagens da tragédia grega, está um esconderijo que permite à sociedade fechada dos clérigos acreditar que vive ainda no século VI a.C. Pode-se afirmar que os dramaturgos franceses do século XVI adotam esta fórmula na exata medida em que eles se opõem à forma tradicional e verdadeiramente coletiva – sociologicamente falando – do lugar dramático: a cena do mistério3.
A cena do mistério é de uma natureza oposta: ao invés de oferecer um lugar dramático abstrato, ela apresenta simultaneamente uma seqüência de quadros vivos. E o tema real da representação é a multidão, difusa, apaixonada, desorganizada que vem à cidade para participar de festejos. Com efeito, nós estamos no âmbito da festa e do cerimonial: o mistério não tende necessariamente na direção da “peça” acabada, ele está sempre a meio caminho entre: a manifestação difusa, metade espetacular, que reúne as massas já agrupadas nas cidades por ocasião de um evento religioso; e os “autos-sacramentais”, obras completas, totais, acabadas e fortemente individualizadas. Aliás, os animadores-autores que nós conhecemos (Arnaud Daniel, Anselme Faidet, Béranger de Parasol), como os organizadores dos espetáculos de farsas, não procuram mais do que apresentar uma “gestualidade”, para tornar espetacular o acontecimento. Porque o acontecimento, ao contrário do que se passa com a outra fórmula dramática, domina aqui o senso literário da expressão: o gesto leva a melhor sobre a palavra. É natural que a ênfase desta concepção se concentre sobre a vida de um santo ou de um homem “interessante”: a existência é aqui “exposta” por inteira.
Entretanto, a expressão mais perfeita desta fórmula encontra-se no teatro elisabetano. Sem dúvida, os dramaturgos, que acompanham Ben Jonson e Shakespeare, são eles também letrados, mas ao contrário dos autores franceses desta época eles sabem tirar partido do campo dramático com construção lateral, implicando a simultaneidade de todos os instantes do tempo. A propósito do campo dramático shakespeariano, Jouvet falava de um “estereoscópio permitindo que se veja a multiplicidade de perspectivas”, sem se valorizar nenhuma: no teatro do Globe, os acontecimentos são realmente apresentados ao espectador coletivo pela ação direta. A construção cênica lembra neste sentido a arte dos antigos afrescos mais do que as frisas gregas: uma superposição de galerias laterais e um palco onde os grupos de personagens se mantêm em cena permite uma representação de todos os momentos do drama. Dentro das perspectivas de uma tal estereoscopia (que se impõe numa arquitetura porque os dramaturgos a haviam experimentado previamente na imaginação coletiva), o real da expressão espetacular toma a forma de um combate, de um “match”. O campo dramático determina assim a idéia trágica e a composição artística.
Desta forma, vê-se ao mesmo tempo, sobre o palco, o rei Richard voltar precipitadamente da Irlanda enquanto que seu rival Bolingbroke conquista as vilas do país de Galles e a Rainha se lamenta em seu jardim. Roma e Egito estão sobre o palco, visualmente, materialmente representados, a distância deixando de ser uma função do tempo, para se tornar o elemento simbólico específico do drama: Antônio morre e César, ao mesmo tempo diante de nós, mantém o cerco. Nós não temos hoje a menor idéia do que representava um tal palco, porque os hábitos visuais do cinema nos acostumaram ao desenrolar da ação na duração, ao passo que o maior esforço do teatro, no tempo de Shakespeare, foi o de tentar dar, ao longo do desenvolvimento das ações simultâneas, uma extensão visível presente, como acontecia na escultura gótica.
Uma tal maneira de conceber o campo dramático exige uma tipologia dramática bastante precisa: nós estamos diante das obras de um Ford ou de um Lope de Vega, na presença de homens condenados à desordem. Nas peças históricas de Shakespeare, estamos diante de reis perdidos nos complexos labirintos da “vendetta” feudal, envolvidos nos mais emaranhados crimes visíveis e punidos por castigos também visíveis. A extrema instabilidade política que preside estas intrigas não advém do que Shakespeare e seus contemporâneos quiseram contar das anedotas complicadas e dos minuciosos crimes decalcados à vida cotidiana do tempo deles, mas da própria natureza do lugar dramático e do seu sentido profundo. Com efeito, se poderia dizer que este lugar cristaliza sobre o palco o batimento das temporalidades internas desta sociedade intermediária entre a sociedade feudal e a sociedade monárquica absolutista no limiar de um capitalismo competitivo: este tempo “em atraso” se expressa pelo apego ao mundo feudal. Porém, o mundo novo aparece ao final de cada peça quando surge o mediador; não importando se ele é o novo rei, vencedor do rei anterior, ou se é um usurpador, que a seu tempo, será punido pelos seus crimes, que ele seja ainda o jovem e brilhante Fortimbrás, a quem Hamlet dá “sua voz moribunda”. Ele aparece no crepúsculo de cada drama de Shakespeare para dar fim, momentaneamente, à sucessão de assassinatos e para propor uma legalidade provisória. “Finalmente, nossas feridas civis estão fechadas e a paz renasce”, diz Richemond no final do Ricardo II; “Pois hoje, eu espero, começa nossa felicidade duradoura”, proclama Eduardo ao final de Henrique VI (segunda parte); “então, obrigado a todos e a cada um que nós convidamos a nos ver coroar Scone”, assevera o jovem Malcolm no final de Macbeth. Mas, a peça seguinte repete incansavelmente a mesma “série noire” dos crimes: “Sentemos no chão e contemos a história lamentável sobre a morte dos reis, diz Ricardo II, vencido, reis expropriados, reis assassinados na guerra, reis perseguidos pelos fantasmas daqueles que eles destronaram, reis envenenados pelas suas mulheres, reis estrangulados durante os seus sonos – todos assassinados”.4 Finalmente, nesta longa seqüência, o elemento positivo da cena final traz uma solução provisória.
Compreendida dentro dos limites deste campo dramático onde o crime é visível (ao contrário do que se dava nas sociedades comparáveis àquelas da Antiguidade nas quais o tempo “atrasado nele mesmo” sufocava Édipo por um crime que ele não havia cometido), o sofrimento trágico não faz apelo à simpatia do espectador. O espectador não pode enquanto indivíduo se identificar com Ricardo II ou Macbeth, ele se situa diante do conjunto do espetáculo visual O sofrimento trágico supõe que o espectador coletivo se destaque realmente daquilo que representa esses crimes – o tempo “em atraso” que se apega ainda ao mundo feudal em via de desaparecimento. Talvez só exista tragédia e espetáculo dramático atingindo o poder real nestas épocas emblemáticas, quando a consciência sofre para destruir as marcas do passado coletivo e ainda hesita entre o desabrochar que afirma o poder da liberdade e o sentimento de uma culpabilidade que se apega à consciência de ter destruído o passado.
Verificam-se então as intermitências dramáticas deste teatro, essas hesitações entre a realidade e a ficção (Calderon), essas sucessões de crimes e de bondades (Fletcher), esta tomada de consciência individual que se revela nos interstícios das comoções e das infelicidades. Esta consciência só intervém nas fases de descontração que por vezes se situam na glória (mais raramente) e, mais amiúde, no mais profundo dos infortúnios. Vencido, o rei João descobre a música e a paz; aprisionado, o rei Richard medita sobre o destino coletivo da humanidade; no momento de sua morte, depois de anos de obscuras crueldades, Macbeth descobre o quanto sua vida foi sem sentido e vã. Assim, o espectador coletivo é enviado na direção de sua consciência coletiva, não sendo tomado hipnoticamente pelo personagem. Compreende-se melhor agora o grande contra-senso romântico que fez de Hamlet um personagem triste, enquanto que Shakespeare tinha concebido este papel para um ator extraordinário, quase um bufão, em todo caso metade bufão.
Finalmente, as formas dramáticas elisabetana e espanhola desapareceram, no momento em que triunfou na Europa uma nova concepção, um novo sistema material e psíquico de campo representativo, aquele da cena italiana. A tragédia estava morta há muito tempo, e os poetas, individualmente e a despeito de toda realidade sociológica, iriam sonhar com Shakespeare transpondo suas formas para um palco que as esterilizava.
Quando o livro de Nicola Sabbattini (nascido em 1574, ano em que Shakespeare se torna co-proprietário do teatro do Globe com os irmãos Burbage) aparece na França em 1637, ele não obtém nenhum sucesso de venda, mas logo seus alunos põem mãos à obra: Giacomo Torelli de Fano trabalha para o rei da França e, infelizmente, encena Corneille5. Um pouco mais tarde, um outro aluno seu, Vigarini, trabalha com Molière. Rapidamente a escola italiana dominará a Europa e, depois de Vigarini, virão Bérain (que muito afeito à “tradição” não será mais do que um decorador à italiana), Servandoni.
Ora, Sabbattini não tinha inventado mais do que uma coisa: um tipo de lugar cênico que utilizava a maquinaria para as transformações. Ele tinha simplesmente introduzido no teatro a perspectiva que já havia, anos antes, revolucionado a pintura. A relação entre estas duas revoluções afetando as imagens coletivas de uma época é tão forte que as duas artes se interpenetram sem vantagem para uma ou para outra. Aquilo que era uma pesquisa plástica para Uccello, Pietro della Francesca, se torna uma pesquisa do trompe l’oeil para os alunos de Rafael, ou para Mantegna, pesquisa sobre o efeito no caso de Caravagio. Representam-se cenas teatrais em pinturas no momento em que o teatro constrói seu lugar dramático tal como um quadro. A profunda modificação acerca do comportamento psicológico advindo desta transformação não corresponde unicamente àquilo que se chama de a idade barroca, de Rubens à ópera italiana, mas também do teatro clássico. Com efeito, Sabbattini concebe a cena como uma pirâmide visual cuja base é o palco e seu ápice, o olho de cada espectador.
Destas transformações pode-se tirar uma série de conseqüências:
1º A cena deixa de ser o lugar da representação visível de uma seqüência de ações dramáticas e se torna ao contrário “o campo de ações de uma sucessão de surpresas”. Se a cena é oferecida como um conjunto cúbico, é necessário que a seqüência de cenas repouse num motor invisível: o determinismo abstrato, absoluto, fechado sobre si mesmo pode recriar o acaso e a liberdade dentro das fendas do sistema! Lembremos daquela pequena caixa construída por Brunelleschi e que dentro da qual se podia olhar por meio de uma pequena fenda: o plano dos volumes e das linhas do espaço convergindo todas na direção de um ponto focal imperceptível. A maquinaria sobre a cena vai permitir a utilização desta ilusão óptica e fazer do teatro uma experiência coletiva de “hipnose” 6 e de irrealização: um determinismo artificial é criado para em seguida fazer aparecer o acaso e a liberdade por trás da imagem visível dos personagens.
2º O espectador se encontra abstratamente separado do grupo coletivo ao qual ele estaria ligado, quando das representações: se a ilusão repousa somente nele, é necessário que ele se identifique com o personagem e transponha para o personagem sua vida psíquica. Brecht, criticando esta forma de representação, afirmava que ela supõe uma perda na energia coletiva durante a representação. De fato, somos conduzidos a uma verdadeira experiência concreta de alienação: deste momento em diante, o espectador se perde no espetáculo, acreditando se reencontrar no personagem. Ele, espectador, deixa de existir por si mesmo enquanto público, não se realizando numa imagem diferente de sua própria condição.
3º O espetáculo se torna uma féerie, uma “festa” de um gênero especial, onde o homem oferece a ele próprio a idéia de uma liberdade da qual ele não dispõe e, geralmente, a idéia de tudo aquilo que ele não possui. A função sociológica do teatro com maquinaria e do lugar dramático da cena à italiana é dupla: por um lado, ela cria no homem uma necessidade constante de desorientação e de ilusão; por outro lado, ela dá a este mesmo homem um equivalente analógico enganador daquilo que ele acredita possuir e não alcançará nunca, visto que ele acreditava compor e recriar o mundo como o determinismo clássico acreditava construir o mundo partindo da idéia de Deus. Este é o momento em que Servandoni pretende dar ao teatro a imagem da natureza, a ilusão do campo, desta parte do mundo que o grupo humano não poderá mais recuperar, já que ela está perdida num mundo de signos fixos. Os cenários de Tancrède ou de Proserpine são, deste ponto de vista, tal qual a imagem simbólica das tentativas do grupo humano (participante de perto da divisão do poder e da distribuição dos benefícios e vantagens numa sociedade absolutista) para reconquistar a existência. Num primeiro momento, identificamos, com Boileau e Racine, as criaturas apresentadas sobre o palco, com toda a humanidade; num segundo momento, identificamos o próprio artificial com a natureza. O homem despojado de sua essência coletiva e de sua liberdade passa a estar na mesma situação do príncipe Sigismundo de A vida é sonho de Calderon, só que Calderon, devido ao fato de utilizar a cena em afresco e o campo dramático dos tablados do mistério, podia justapor os dois elementos: o da existência concreta e o da ficção, enquanto que os espectadores do século XVIII (e por vezes até do século XIX) eram para eles mesmos como príncipes Sigismundo sem se transformarem nunca em seus próprios espectadores7.
É bem verdade que existe uma tipologia particular em relação a este sistema do teatro à italiana: é aquele da tragédia clássica francesa. Sobre o palco estreito os personagens eram espremidos (até a reforma de Voltaire e de Lauraguais, em 1759) pelos espectadores ilustres sentados uns sobre os outros, em volta do palco. O centro de gravidade não é mais dividido lateralmente sobre todos os planos do espetáculo, ele se concentra na liberdade individual do herói e na ficção de seu ser interior. Isto é, esta liberdade é uma prisão e a consciência uma gaiola de onde o homem vem para falar dos seus infortúnios por meio da linguagem.
Fica claro que, se a tipologia clássica francesa emprega reis, trata-se de reis diferentes daqueles de Shakespeare ou de Calderon: seus crimes estão, como os de Augusto, atrás deles ou, estão, como os de Nero, no futuro. Trata-se de um mundo onde não coincidem nunca ação e paixão, a existência e a consciência: Andrômaca é apegada a um passado que já era e que não volta mais; Fedra é condenada a possuir somente em imagem o homem que ela ama. Costuma-se afirmar que os personagens de Molière eram “imaginários” no sentido que o século XVII dava a esta palavra: isto é, homens dedicados a perseguirem exclusivamente quimeras. Estes “imaginários” podiam caracterizar os personagens nascidos da fórmula do teatro à italiana: a imagem individual que eles fazem deles próprios sobre o palco não corresponde nunca às suas situações atuais: advém daí que uma distância psíquica se abre entre aquilo que eles querem ser e aquilo que eles de fato são. Esta distância confere, é bem verdade, a seus papéis a amplitude trágica dos heróis de Corneille ou de Racine, porém esta mesma distância “historiciza” da mesma forma, ela os reduz à época de onde surgiram.
Que fique bem entendido: nós não pretendemos deduzir da existência de um certo cenário de teatro, nem tão pouco do estilo barroco de encenação, a tipologia de personagens dramáticos: parece-nos, unicamente, que certo tipo de sociedade expressa magnificamente os conflitos que a afligem no comportamento imaginário e afetivo das personagens que ela representa em seu teatro. Isto é, no lugar dramático em geral onde ela situa suas intrigas que por meio de suas regras formais explicitam até mesmo seus hábitos. O grupo restrito da platéia e do palco (cuja teatralidade, é verdade, nos escapa completamente) transpõe, portanto sua existência coletiva por meio de uma imagem mental que nós chamamos de lugar dramático. Se a cena à italiana corresponde exatamente à aparição e à vitória da classe burguesa e do sistema concorrencial na economia, é precisamente porque, em torno da representação coletiva do lugar cênico, se condensam os complexos temas da existência social: o espectador vem viver, por meio da figuração dos personagens, conflitos inconscientes à existência cotidiana. A sociedade delega uma parte dela mesma que temporariamente, num grupo restrito, lhe revela os impasses de sua própria realidade histórica.
Não se trata de deduzir da forma pictural do cenário, a existência dos personagens, mas de focalizar o seguinte problema: como tipos dramáticos diferentes tomam lugar na representação coletiva do lugar cênico. Parece-nos que as duas maneiras extremas e contraditórias de se conceber o lugar dramático enquanto representação coletiva acarretam uma definição especial dos tipos humanos que aí são colocados: na extensão lateral do palco à afresco, o destino possui menos sentido que a história e o desenvolvimento: a vida se desenvolve num universo com duas dimensões onde a vontade se impõe imediatamente, onde os atos agem uns sobre os outros, onde o encadeamento das ações propicia, visualmente, uma conseqüência, onde a temporalidade em revés se contrasta com uma temporalidade moderna na direção da liberdade. O gesto leva a melhor sobre a palavra e os personagens existem por meio de um certo comportamento material que os torna contemporâneos dos espectadores. No lugar dramático à italiana, ao contrário, a sutil retração da extensão/ duração faz com que o homem se feche em torno de sua linguagem e de sua consciência individual; a temporalidade desaparece: ela esmaga o indivíduo, ela faz dele um manequim (estamos na época dos bonecos de corda onde se tenta macaquear a vida, como que para provar à existência que podemos viver sem ela), e também faz com que o indivíduo não possa nunca manifestar sua vontade real. A extrema individuação dos tipos no teatro clássico e romântico francês diz respeito à própria natureza da representação coletiva onde se situam os conflitos dramáticos: a vida é um bem perdido; nós estamos mortos e não o sabemos, visto que a trompa de Hernani soa sempre no momento em que pensamos reaver aquilo que possuímos. A imagem da alienação social transposta se torna a própria imagem do complexo trágico8.
Desta forma, a cena à italiana corresponde a uma sociedade que nós acreditávamos mais aberta do que ela parecia ser na realidade. Visto que nesta sociedade onde o absolutismo real e a burocracia burguesa dos escritórios substituem o “ofício nobre”: a eficácia da liberdade humana é mais limitada do que se esperava, devido ao fato da ausência de liberdade civil e política aptas a servirem de pontos de referência, visto o peso do absolutismo do Estado monárquico e das hierarquias das ordens oficialmente estabelecidas... pela interpretação rigorosíssima do determinismo, e por uma visão muito intelectualizada da liberdade humana, visão favorecendo a razão teórica em detrimento da vontade e das suas luzes9 . O campo dramático, a cena à italiana seqüestram o conteúdo concreto da liberdade no momento em que os heróis falam da liberdade: para Auguste, em Cinna, a liberdade consiste em rememorar a sucessão de seus crimes ou a de se negar enquanto imperador; já a de Néron, em Britannicus, equivale a obedecer a representação coletiva que o grupo restrito dos letrados que leram Tacite impõem à sua realização presente.
Concebe-se melhor a importância desta caixa fechada que é a cena à italiana com perspectiva em profundidade no momento em que ela se impõe por toda a Europa: ela é o campo fechado onde são representados os conflitos que já não podem se materializar na existência cotidiana. Os gregos urbanizados retiveram e teatralizaram os deuses ao submetê-los ao suplício no teatro. Os europeus colocam uma máscara romana ou grega em heróis emprestados ao universo patriarcal e feudal que as monarquias centralizadoras destroem. Um sistema social não sucede a um outro sem teatralizar as classificações e os mitos do precedente, como que para dar uma última imagem, tornando-o permanente, porém sobre um outro plano, a sobrevivência, usufruir seu desaparecimento. Para nós, europeus, foi através destes estreitos meandros e construídos com a ajuda de máquinas complicadas que se efetuou esta transferência.
1 Tradução de Walter Lima Torres do Cap. III do livro de Jean DUVIGNAUD. Spectacle e Société, Paris, Editions Denoël, 1970, pp. 67-82.
2 Existe uma tradução deste livro reproduzindo as pranchas publicadas por Ides et Calendes, 1942.
3 É no espírito destes grupos fechados – englobando igualmente os integrantes da corte – que as tragédias de Garnier, de Baïf, e de Jodelet foram criadas. O motor dramático era a representação coletiva que estes grupos se faziam da “fatalidade” antiga.
4 Ricardo II, ato III, cena 2.
5 Corneille foi feito para cena simultânea do tipo shakesperiana, como provam suas primeiras peças (Mélite, la Galerie e até mesmo Le Cid). Porém a sociedade parisiense tinha descoberto o palco à italiana e lhe impôs esta fórmula. O dramaturgo só reencontrará sua liberdade no final da vida, nas suas últimas obras que, infelizmente, não são quase nunca representadas.
6 A expressão é de Brecht. Cf. “Pequeno Organon”, trad. G. Serreau, in Reveue du Theatre Populaire, 1955.
7 Goethe, em 1777, começa a escrever uma peça: Le trionphe de la sensibilité, onde ele faz o processo deste amor pelo artificial e a má fé sobre a forma que ele implicava: no séc. XIX, o tipo sociológico do dandy que se encontra em Balzac, em Stendhal, e em seguida o tipo do snob em Baudelaire reatualiza, uma vez mais, esta má fé, porém sobre um plano mais claro: ama-se o artificial justamente porque ele é artificial e porque se renuncia à liberdade concreta.
8 Seguramente, certos românticos, na Alemanha sobretudo, conceberam suas tragédias dentro de uma representação coletiva do lugar cênico mais próximo daquele de Shakespeare do que de Racine. Não estamos falando aqui de Schiller ou de Goethe que, apressados em se livrar da influência da escola francesa, acreditavam que seria suficiente modificar o conteúdo para modificar também a forma dramática geral, mas sim de Lenz, de Kleist, de Büchner. Poderíamos adicionar a esta lista o Lorenzaccio de Musset. Todos estes dramaturgos morreram tragicamente – a mesma morte que eles não podiam impor aos seus personagens, suicídio, loucura ou o mergulho no spleen, comportamento sociológico de impotência e de ressentimento. Poderíamos dizer que estes dramaturgos, não podendo impor à sua época o campo dramático com o qual sonhava um grupo de homens ainda sem expressão oficial na história, procuravam reatualizar uma tragédia a qual eles não podiam exibir à sociedade. Nós nos perguntamos se não se trataria de grupos difusos que não queriam admitir, inconscientemente ou não, o malogro da revolução enquanto ruptura total da história. (Cf. “La tragédie en liberté”, in Revue du Théatre Populaire, nº 1, 1953).

9 Georges Gurvitch: Determinismes sociaux et liberté humaine, PUF.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

CONEXÕES, Ideias, PERCURSOS e Suspeitas sobre a Fundación La Maldita Vanidad Teatro (Bogotá D.C., Colombia)

Artigo publicado na Revista da MIT-Sp, 2015.



"Vaidade de vaidades, disse o Eclesiastes, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.
Que proveito tira o homem, de todo o trabalho, com que se fadiga debaixo do sol?
Uma geração passa, e outra geração lhe sucede; mas a terra para sempre permanece.
O sol nasce e põe-se, e volta ao lugar de onde nasceu e, renascendo aí, dirige o seu giro para o meio dia, e depois declina para o norte; o vento corre, vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos.
Todos os rios correm para o mar, e o mar nem por isso transborda; os rios voltam ao mesmo lugar donde saíram, para tornarem a correr."
(Livro do Eclesiastes, 1)


Vaidade de vaidades, disse o Eclesiastes, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.
Haveria substantivo melhor para designar o motor do "ser ator"?
Muito já se comentou acerca das habilidades e competências desse profissional da exibição. Seu ofício pressupõe um esforço de alteridade, em que, quanto mais eu afirmo o outro, exponho eu mesmo, quem eu sou, egocêntrico e egoísta, às vezes...
Segundo o historiador holandês, Johan Huizinga, autor de Homo Ludens, "si alguien fuesse capaz de escribir la historia de la vanidad, habría dominado con ello la mitad de la Historia de la cultura" (HUIZINGA: 1994, 69). E talvez quem escrevesse uma história do ator, ao menos no ocidente, se depararia com esse pecado capital, confundido, ao menos em relação aos atores, com uma virtude.
É necessária essa qualidade aos artistas?
As imagens sobre a vaidade em relação aos atores vão longe e podem ser extraídas, daqui e dali, das biografias, tanto dos ilustres desconhecidos, quanto dos mais célebres dos artistas, como tão bem já nos contava Sunset Boulevard ou Crepúsculo dos deuses, de Billy Wilder, em 1950.
Vitorio Gassman, ator italiano que não foi ao longo de sua carreira nenhum prodígio de humildade, definia o comportamento do ator como sendo uma espécie de síntese, um ser intermediário, dizia ele, entre um sacerdote e uma prostituta. Dois outros papéis sociais entre os mais dramaticamente vaidosos na exposição de suas mercadorias.
Como nos lembram as palavras do Eclesiastes, a vaidade nunca saiu de moda. Isso seria um pleonasmo ao tempo de uma sociedade globalizada, líquida, rizomática, sem bordas nem fronteiras com a facilidade do acesso às tecnologias comunicacionais: smartphones, tablets, computadores, e tantos outros equipamentos do mundo digital, com seus aplicativos, que não param de nos ofuscar. Eles são verdadeiros espelhos digitais, que ao integrarem as redes sociais constroem um mosaico de rostos anônimos e vaidosos, cujo único desejo, por sua vez, é ser reconhecido. Esse espelho tecnológico faz com que cada um clame com maior ou menor dose de verdadeira ou falsa modéstia: "estou aqui!", "olhe para mim!", "veja o meu Face!" "Quer ser meu amigo?".
Nessa interface se coloca o conflito entre o desejo de se representar uma imagem do Eu e a real possibilidade de contato, ainda que virtual, deste mesmo Eu com o Outro, quando a vaidosa cacofonia não impera na rede. Quantas vezes, você e eu, não ficamos presos nessa sala de espelhos virtuais sem encontrar a saída? E haveria saída?
Assim, não teríamos melhor denominação para o trabalho de um coletivo contemporâneo de atores jovens. Aí está ela a nos rondar, a nos inspirar... e a eles, no intuito de tratá-la e ao mesmo tempo denunciá-la, essa maldita vaidade, a minha, a sua, a deles mesmos, a nossa, enfim.
Que proveito tira o homem, de todo o trabalho, com que se fadiga debaixo do sol?
No passado houve uma pintura, um gênero particular de natureza morta, denominado de Vanitas. Muito desenvolvida no Barroco, nas telas desse subgenero de natureza morta, os pintores nos apresentam crânios, esqueletos, corpos, frutas ou plantas em decomposição. A mensagem que interessava a esses pintores, ou a reflexão que esse tipo de pintura propunha ao espectador era que o seu visitante meditasse sobre a condição passageira da sua vida, a brevidade do tempo e a inexorabilidade da morte, para qual todos caminhamos. Nesse mesmo sentido, há igualmente a expressão latina memento mori que significa algo como lembre-se de que você vai morrer ou de que você é mortal. A expressão estaria assim associada a um tema pictórico em cuja cena pode-se apreciar um personagem, normalmente um jovem que, em meio a uma ação representando alguns dos prazeres da vida, era surpreendido por Ela, pronta a cortar-lhe o fio da vida. Pode-se estimar que uma das funções da arte também é a de nos lembrar da nossa condição de mortais diante da proveitosa e deleitosa vida. Não seria um pouco disso que La Maldita Vanidad nos oferece em seus espetáculos?
Uma geração passa, e outra geração lhe sucede; mas a terra para sempre permanece.
Assim também se dá com a arte em geral e o teatro em particular, metáfora viva da vida. Assim se dá em relação às gerações de agentes e grupos de agentes criativos que ao se renovarem, criam suas linguagens, imprimem suas estéticas na bolsa de valores artísticos, ressignificando questões, rompendo com padrões e estabelecendo novas relações no fazer artístico.
No caso colombiano, pode-se lembrar uma trajetória significativa, desde o grupo fundado por Enrique Buenaventura, El Teatro Experimental de Cali (TEC) na década de 1960, trabalho que gerou uma nova dramaturgia ao, igualmente, difundir as ideias de Stanislavski e Brecht; passando pela La Candelaria, grupo fundado por Santiago Garcia em 1972, que se tornou uma das referências do dito teatro independente realizado no país e desde então alimentou seus processos criativos investigando as relações sociais com cuidado histórico, acompanhado por uma equipe composta por profissionais de diferentes áreas. Chegando-se aí ao grupo Mapa Teatro, fundado em 1984, em Paris, mas residente em Bogotá e que se autodenomina um "laboratório de imaginação social". Trabalhando com uma dramaturgia contemporânea ou relendo os clássicos, esse grupo problematiza em cena as relações entre a performance e a representação, detendo-se nesses últimos tempos sobre o que ele designa, conforme pode-se ler no seu site, uma "produção de acontecimentos artísticos entre micro-política e poética através da construção de etno-ficções e a criação efêmera de comunidades experimentais."
Nessa trajetória incluem-se o frescor e a inquietação que conduzem os trabalhos do grupo de artistas de La Maldita Vanidad, um expoente da geração teatral colombiana mais nova. Graças ao seu talento e à globalização, eles já alcançaram circulação e reconhecimentos nacional e internacional, dentro do contexto de um teatro de linguagem pouco convencional.
Consultando-se o site do grupo, pode-se perceber que seus integrantes são egressos da famosa geração "y". Uma geração multitask. Uma geração cuja inteligência criativa está associada à síntese de habilidades que conferem novos padrões de produção em relação ao trabalho teatral exercido no plano coletivo.
O sol nasce e põe-se, e volta ao lugar de onde nasceu e, renascendo aí, dirige o seu giro para o meio dia, e depois declina para o norte; o vento corre, vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos.
Todos os rios correm para o mar, e o mar nem por isso transborda; os rios voltam ao mesmo lugar donde saíram, para tornarem a correr.
Na história do espetáculo teatral ocidental, artistas e críticos não se cansam de anunciar que o teatro está em crise, à beira da morte. Crise por conta da competição desenfreada entre o teatro e a indústria cultural, mormente com o cinema e a televisão. Crise em relação ao verbo e ao movimento. Dúvidas acerca do emprego da palavra e do gesto. Incertezas, enfim, sobre a maneira de como se exibir em cena, se interpretando, se representando, se atuando, ou estimando, estar em si mesmo, em nome do outro. Imprecisão sobre a escolha do melhor lugar de onde se ver, se dentro ou fora, se de longe ou perto dependendo da matéria tratada pelo espetáculo.
O fato é que a realidade teatral possui a notável capacidade de nos fazer ver as construções ideológicas do Real e as engrenagens do Político no seio da Sociedade. É nesse sentido que corre o interesse da operação de encenação do grupo La Maldita Vanidad. Assim, valeria lembrar uma reflexão sobre essa matéria feita por Bernard Dort, no final do anos 1960. Discutindo sobre a pertinência do grande repertório universal nos teatros ditos oficiais subsidiados pelo governo, afirmava profeticamente: "em lugar de serem templos de uma verdade histórica ou estética, nossos teatros, sob pena de se esclerosarem, devem se transformar em laboratórios onde autores, diretores, atores e espectadores possam livremente confrontar suas experiências e suas representações da realidade" (DORT: 1977, 36). A atualidade do trabalho teatral latino americano é a resposta a essa inquietação manifesta pelo teatrólogo francês há mais de vinte anos. Essa realidade laboratorial, mencionada por Dort acerca do trabalho teatral, é o que inúmeros grupos teatrais, a exemplo de La Maldita Vanidad realizam hoje, com destaque para uma grande parcela de grupos sociais reunidos pela força agregadora e expressiva do teatro enquanto fenômeno cultural de sociabilidade política, não por ser partidário, mas por manter a sua condição de coisa pública.
*
La Maldita Vanidad é um grupo de agentes criativos dedicados ao teatro independente, criado em 2009 por sete sócios fundadores, encabeçado pelo diretor e autor Jorge Hugo Marín. Hoje, o grupo está devidamente instalado na cidade de Bogotá, possuindo uma sede, desde 2013 La Casa de la Maldita, no bairro de Palermo.
Formado em arte dramática pela Universidade de Antioquia, Marín viajou em 2007 para Buenos Aires. Na capital argentina, teve contato com o modo de trabalhar do teatro independente portenho, uma espécie de setor teatral alternativo. Alternativo, aqui, ao sistema de produção e criação, tanto em relação ao teatro oficial, sustentado pelo estado, quanto ao teatro comercial associado ao sucesso de bilheteria, condicionados por títulos de retorno seguro e atores famosos. De regresso a Bogotá, o jovem diretor percebeu que ao invés de esperar por convites ou pela sorte, deveria investir num processo de auto-produção e realizar seus projetos com a colaboração do coletivo de atores e colegas: Angélica Prieto, Maíra Adelaida Palacio, Juan Manuel Lenis, Ella Becerra, Andrés Estrada, Maíra Soledad Rodriguez. Com os meios de que dispunham inaugurariam em 2009 o início de suas atividades, na sala de casa, El autor intelectual.
Desde então La Maldita Vanidad criou as seguintes obras, cuja dramaturgia e direção foram assinadas por Marín: Sobre algunos assuntos de família é o título da trilogia composta por: El autor intelectual (2009); Los autores materiales (2010) e Cómo quieres que te quiera (2011). Posteriormente foram realizadas as obras: Morrir de amor: segundo acto inevitable (2013); Matando el tiempo: primer acto inevitable (2013/14) e Paisaje fracturado (2014).
A primeira vez que La Maldita visitou o Brasil foi em 2012, onde participou do Festival de Palco e Rua de Belo Horizonte, FIT-BH e logo, no mesmo ano, foi a Santos para o Mirada: Festival Ibero Americano de Artes Cênicas e, posteriormente, para o Zona de Transição, em Fortaleza, no 1o. Festival Internacional de Artes Cênicas do Ceará.
A prática de trabalho do grupo se orienta pela observação e apropriação de histórias do cotidiano colombiano, mais precisamente bogotano, detendo-se sobretudo em temas e situações advindos de núcleos familiares. "Me interessa olhar para o núcleo da sociedade, que é a família. E aí dentro colocar esses personagens em situações extremas. Contextos em que se pode esquadrinhar o mais complexo do ser humano." (MENEZES: 2014). Esses temas e situações são desenvolvidos pelos atores e pela dramaturgia do autor e diretor Jorge Hugo Marín. As histórias são ambientadas em espaços reais, relacionados à ação engendrada pela dramaturgia que recicla essas mesmas narrativas. O espectador é convidado a assistir essas situações na condição de voyeur, como salienta a crítica de Luciana Eastwood, em relação aos espetáculos apresentados no FIT-2012. "A encenação hiper-realista oferece-se como um pacto de ilusão, pelo qual se falseia o testemunho de um acontecimento da vida alheia. Eis o paradoxo no qual o grupo envolve o público (…). No limite do hiper-realismo, qualquer fissura pode desetabilizar o pacto" (ROMAGNOLLI: 2012).
O voyerismo está associado à condição do espectador imóvel, mergulhado na obscuridade do moderno teatro, afundado, comodamente, em sua poltrona que retira o seu prazer da observação da intimidade, que se desnuda à sua frente. Há portanto revelação e prazer em sentir-se iludido pela realidade, especialmente engendrada para esse fim pela operação da encenação teatral. Esse pressuposto de prazer do espectador, associado ao ilusionismo e ao desejo de ver revelada uma verdade que irrompe da lógica da cena, são as condições para o estabelecimento das convenções surgidas com o naturalismo.
Observemos as situações apresentadas por La Maldita.
Uma situação: Morrir de amor, segundo acto inevitable, morir
Nesse espetáculo a situação de base do argumento é simples. Luis Eduardo morreu e sua família, devido à sua precariedade econômica se vê a improvisar um velório no meio da sala de casa. A família e os amigos se reúnem em torno do morto para se despedirem. O jovem acabara de morrer em circunstâncias imprecisas. A ignorância, a evasão, a incomunicabilidade dentro do núcleo familiar, a intolerância diante das diferenças, os tabus sobre o corpo e as preferências sexuais, são comportamentos abordados por diferentes situações. Numa palavra, padrões morais e religiosos são colocados em questão.
Outra situação: Matando el tiempo, primer acto inevitable: nacer
Desta vez a ação se dá no meio de um almoço de uma família tradicional, cujo emprego do poder para dominar o povo é uma herança disputada. A árvore genealógica demonstra que o menino que nasce deve dar continuidade à tradição iniciada com o avô. Para tanto o pequeno herdeiro deve ser preparado para essa função que perpetuará esse mesmo poder.
Em ambas situações é clara a intenção de denúncia acerca da realidade colombiana onde se exploram transações ilícitas, desvios éticos, corrupção e violência, numa palavra a hipocrisia eivada de vaidade. Do ponto de vista dos temas preferidos pelo autor e o grupo de atores, destaca-se a família como uma espécie de laboratório de onde afloram as questões essenciais a serem exploradas.
Como resultado desse processo, pode-se perceber uma espécie de síntese estética. Alguns trabalhos suscitaram comentários como o de Valmir Santos que constata que "as peças do diretor e autor Jorge Hugo Marín, de 31 anos, esfregam realismo e naturalismo de precariedade aparente na interpretação, no desenho cenográfico. No fundo, revelam conteúdos explosivos, estocadas na sociedade colombiana radiografada com humor e sem piedade quanto à falsa moral, seja ela cívica, religiosa ou familiar" (SANTOS: 2012).
Como estratégia narrativa, no que se refere à dramaturgia, a crítica destaca o artifício de se fazer falar em cena sobre personagens ausentes da ação. "Sin embargo, permanecen elementos como el personaje ausente, que Marín planteó em El autor intelectual (una madre enferma), Los autores materiales (un arrendatario) y Cómo quieres que te quiera (un padre en la cárcel). Aqui se trata de un muerto, al que están velando, mientras su família y amigos reconstruyen facetas de la vida, desconocidas por ellos." (OQUEVEDO: 2013).
Essa textura de Real fabricada pela palavra e pela situação dramática se torna mais intensa tendo em vista os locais escolhidos para as apresentações, pois os espetáculos não acontecem em teatros convencionais, mas em lugares específicos atinentes à ação. Esses espaços estão impregnados da sua própria memória e conseguem contribuir na síntese entre situação, jogo de ator e lugar. É esse tipo de reflexão que nos leva a pensar em procedimentos criativos e arranjos estético atinentes a uma atualização de processos associados ao modelo de cena idealizada no Naturalismo histórico.
O Romance Experimental e o Teatro Naturalista, ressignificados...
Essas duas formas narrativas, romance e teatro, devem ser percebidas como um processo cuja coerência sobrevêm de distintos estímulos. Dentre esses estímulos ressaltem-se as novas tecnologias do final de século XIX e início de um novo século, como a eletricidade. No plano teatral, assiste-se à consolidação do trabalho do moderno diretor teatral. No âmbito das ideias, eclodem as Ciências Sociais como campo do conhecimento. O contexto social advém de estados republicanos sustentados pelo capital da burguesia comercial e industrial que desfruta de um moderno sistema de transportes, que se assemelha a uma revolução, as grandes ferrovias. O ritmo é o do trem e não mais das carruagens.
Do ponto de vista conceitual, observa-se o adensamento do movimento naturalista, graças às novas disciplinas, oriundas das ciências sociais nascentes, a sociologia e a psicologia. Some-se a elas a própria história que já norteara, como disciplina de base, grande parte da produção romântica. A essas disciplinas que instrumentalizam a pena do autor e o olhar, primeiro do ensaiador dramático, e depois do moderno diretor teatral, aliaram-se as novas técnicas de conhecimento e registro, agora em escala industrial, que possibilitaram o surgimento de duas novas formas narrativas e documentais até então desconhecidas, o cinema e a fotografia.
O Naturalismo sempre é entendido, no seu aspecto estético, como um estilo ou período pouco poético, mormente se comparado ao Simbolismo. É também acusado de ingenuidade por querer reproduzir o real, emoldurado pelos limites da arte do palco. O trabalho de pesquisa prévio, nesse gênero, é desenvolvido pelos agentes criativos, mormente autor e moderno diretor teatral, visto que a escrita dramática, cujo tema abordado pode advir até mesmo de um fait divers, seria obra do autor, enquanto que a teatralidade promovida pela cena seria da competência do moderno diretor. Em certa medida, esse comportamento artístico, processual e investigativo, é resultado do desejo de explicar, quando não de problematizar as grandes causas motoras dos atos perpetrados pelos personagens, sua natureza e o alcance das conseqüências destes atos para sociedade. São assim enfatizados e trazidos à cena os comportamentos desviantes ou, para empregar uma noção cara à sociologia do teatro, comportamento anômicos.
O desejo de tornar pública a expressão de uma experiência é também o exercício de uma técnica narrativa que vai cada vez mais se aperfeiçoar com a narrativa cinematográfica. Pode-se observar algumas relações ou desdobramentos do trabalho de La Maldita que advém dessa inspiração cinematográfica. "De hecho la primera obra que escribí, El autor intelectual, está inspirada en la pelicula argentina Esperando la carroza, basada en la obra de teatro del uruguayo Jacobo Langsner" (SANABRIA: 2013). Ou ainda quando se percebe em relação à construção da cena e seu ritmo que: "O processo de edição é influenciado pelo cinema, ponto de partida para as duas peças: o filme Esperando a carroça, do argentino Alejandro Doria, serve a El autor intelectual assim como Festim diabólico, do inglês Hitchcock, a Los autores materiales." (SANTOS: 2012).
Concluindo... no Eclesiastes pode-se ler ainda:
Todas as coisas são difíceis; o homem não as pode explicar com palavras. O olho não se farta de ver nem o ouvido se cansa de ouvir (sempre as mesmas coisas).
La Maldita Vanidad nos sugere, portanto, que as situações quotidianas continuam a ser o ambiente privilegiado para se construir, e se atualizar, um diagnóstico do indivíduo e da sociedade contemporânea, independentemente do espelho tecnológico ao qual se faça apelo.

REFERÊNCIAS
DORT, Bernard. O Teatro e sua realidade, (trad. Fernando Peixoto). São Paulo: Perspectiva, 1977.
FERNANDEZ, Fernando. "Critica da peça de teatro Morir de amor", in: Kien y Ke, mayo, 5, 2013. Online.
HUIZINGA, Johan. El concepto de la historia y outros ensayos, (trad. Wenceslau Roces). Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1994.
LIMA, Magela. "Sobre encontros (quase) impossíveis", in: O Povo, 22 de junho de 2012. Online.
LLANO, Sara Malagón. "Matando el tiempo com vanidad", in: El Espectador, 28, noviembre, 2013. Online.
MENEZES, Maria Eugênia de. "Grupos colombianos perscrutam a violência". In: Teatro Jornal, 12 de abril de 2014. Online.
OQUEVEDO, Catalina. "Morir de amor, la nueva era de La Maldita Vanidad", in: Elpiempo.com, 2 de abril de 2013. Online.
ROMAGNOLLI, Luciana Eastwood. "Irresponsabilidades aos olhos do voyeur". Critica de El autor intelectual e de Los Autores Materiales, da Companhia La Maldita Vanidad. In: Questão de Crítica, 31 de julho de 2012. Online.
SANABRIA, Jorge Hugo. "Jorge Hugo Marín y su compañia La Maldita Vanidad", in: El Tiempo, 29, noviembre, 2013. Online.
SANTOS, Valmir. "Bogotá / FIT-BH – La Maldita Vanidad", in: Teatro Jornal, 26/06/2012. Online.
ZAMORA, Carlos Gil. "Violencias de autor", in: Artezblai, 23 outubro de 2013. Online.






quinta-feira, 16 de abril de 2015

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO TEATRAL / LIM / CAC - USP



Cartão Postal: Fachada do Teatro Municipal de São Paulo

Está disponível a Base de Dados do Centro de Documentação Teatral que contém documentos referentes ao teatro paulista conservados no LIM CAC (Laboratório de Informação e Memória do CAC) e no NT (Núcleo Traje em Cena), bem como outros localizados em diferentes acervos da cidade de São Paulo (“documentos referenciados”).

A documentação pertencente ao Centro de Documentação Teatral e pode ser consultada in loco mediante agendamento.

BIBLIOGRAFIA CRÍTICA DO TEATRO BRASILEIRO



Vista da fachada do Teatro João Caetano. Construção provisória que integrou o grande parque da Exposição Nacional de 1908, nas imediações da Praia Vermelha na Urca, Rio de Janeiro.






Pesquisadores, Estudiosos e Interessados pelo Teatro Brasileiro:

Já está disponível no endereço http://www2.eca.usp.br/cdt/projetos a “Bibliografia Crítica do Teatro Brasileiro (versão 2014)”, coordenada pelos professores Elizabeth R. Azevedo (ECA/USP),  João Roberto Faria (FFLCH/USP) e Larissa de Oliveira Neves (IA/UNICAMP).




Interior da Casa da Ópera de Ouro Preto. Vista da platéia e balcões desde o palco.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade / LATIN AMERICAN THEATRE REVIEW SPRING 2014 / BOOK REVIEWS













LATIN AMERICAN THEATRE REVIEW SPRING 2014 
page1image912
Book Reviews 


Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade. Antonia Pe- reira, Marta Isaacson e Walter Lima Torres, org. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2012: 208 pp.


Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade collects articles, essays, and interviews by Brazilian and international performing arts scholars and practitioners. The anthology is the outcome of the year-long “Projeto Intercultural: Estudos da Cena, da Dramaturgia e do Movimento entre Tradição e Contemporanei- dade,” which hosted talks, panels, and performances at Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Paraná (UFPR), and Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) in 2010-11. Cena, Corpo e Dramaturgia’s accompanying DVD contains excerpts of director Antonia Pereira’s Trilogia Memórias, as well as testimonies by the three productions’ actors and spectators.

Cena, Corpo e Dramaturgia considers dramaturgical strategies in a range of dance, theatre, and performative events—in a clear reference to Hans-Thies Lehmann’s seminal study, this publication’s organizers claim that this pursuit is most necessary even if many see contemporary performance as “predominantly Postdra- matic” (14). Articles and interviews are organized in three sections: the first discusses experiments with technology and media, the next examines the body and movement onstage, and the last one is dedicated to the dynamic connection between memory, history, and narrative in artistic creation. Of particular interest are the contributions of Brazilian scholars, since the articles authored by their international counterparts were published previously in languages other than Portuguese.
In the first section, Ivani Santana comments on existing difficulties in dis- seminating findings in dance studies and introduces the accomplishments of Mapa D2, a virtual platform that supports collaboration between Portuguese and Spanish- speaking scholars and practitioners across Latin America and Europe. Santana’s argument primarily draws from the cognitive sciences and semiotics. Jaqueline Pinzon explores the use of virtual images in theatre. Her case studies are the productions of Isadora. Orb and Ridículo. Pinzon argues that while the former integrates actors and projections, the latter makes the production’s technological equipment visible to dissociate the two. Marta Isaacson’s essay on intermediality offers a historical perspective on the use of media in theatrical performances from the late XIX century on. Under the subheading “Technological Poetics,” Isaacson proposes four main kinds of interaction between real bodies and virtual images on the theatrical stage: these may aim at creating a synthetic or hybrid picture, amplifying the body/object for spectators, establishing a dialogic relationship with each other, or play up the inherent frictions between real and virtual.
In the section on the body and movement, Cristiane Wosniak looks at dance performances on the Web. By linking dramaturgy, technology, and the performer’s body to bring attention to new directions in choreography and dance studies, Wosniak’s argument explains how cyber imagination comes to render the body immaterial. This section of the anthology also counts on a text in which artists Cintia Bruck Kunifas and Mônica Infante detail their conceptual approach to devi- sing choreography.
The book’s final part, “Dramaturgia: memória e narrativa,” combines the writings of scholars, artists, and artist-scholars. As they discuss the use of cultural traditions, national history, and Greek mythology in Trilogia Memórias’ multiple narrative threads, Antonia Pereira and Karina de Faria ably discuss their creative processes from a theoretical perspective. Walter Lima Torres’s insightful interviews with vocal coach Mônica Montenegro and playwright Samir Yazbek illuminate the work of two important Brazilian practitioners. Thales Branche Paes de Mendonça analyzes the actions of masked participants in Paraná’s traditional religious celebration Marujada de São Benedito de Quatipuru from a carnivalesque perspective. The role of carnival in Brazilian culture is also the focus of Célia Arns de Miranda’s “Otelo da Mangueira: Shakespeare no carnival carioca.” She focuses on Gustavo Gasparani’s musical adaptation of Othello, which brings the story to 1940 and places the moor at a samba school in Rio de Janeiro’s favela da Mangueira. Walter Lima Torres’ “O Direito ao Teatro” is a valuable examination of how current cultural policies and funding agencies shape spectatorship in the country. Lima Torres argues that gover- nmental institutions should support the production of Brazilian plays so that these remain available to the next generation of theatre audiences.
By bringing visibility to various argument and experiences, Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade proves to be an important volume for those interested in understanding Brazilian contemporary dance, performance, and theatre through the perspectives of that nation’s artists and scholars.


Cláudia Tatinge Nascimento Wesleyan University