domingo, 14 de março de 2010

O Amargo Santo da Purificação: uma obra didático-alegórica


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O Amargo Santo da Purificação: uma obra didático-alegórica
“A Tribo de Atuadores Ói nóis aqui traveiz”, de Porto Alegre, se apresentou em Curitiba, na Praça Rui Barbosa e no Parque do Jardim Zoológico (se não chovesse) durante sua estada na cidade — dias 11, 12, 13 e 14 de março —. Cumprindo uma agenda bastante intensa de espetáculos, encontros, debates, oficinas e palestras oxigenando os ares teatrais da cidade e oxigenando a eles próprios, retomando fôlego para continuar a turnê dentro do projeto patrocinado pelo Programa BR de Cultura 2009/2010 da Petrobrás.
A Tribo dos Atuadores como o Grupo também se autodenomina é um dos coletivos teatrais brasileiros mais longevos com trinta anos de intensa prática teatral consolidando essa trajetória com o Centro de Experimentação e Pesquisa Cênica, Terreira da Tribo.
O espetáculo apresentado dessa vez foi o Amargo Santo da Purificação: uma visão alegórica e barroca da vida, paixão e morte do revolucionário Carlos Marighella. Baseado na vida deste ilustre brasileiro, o espetáculo é o que seu título promete. Sendo um espetáculo concebido para rua, sua marca expressiva, neste caso, é a alegoria, não há duvidas, para abordagem de tão contundente tema, aliado a um rico didatismo que por sua vez, demonstra uma excelente assimilação do legado brechtiano. O “barroco” do subtítulo pode ser emprestado a uma certa estética mais glauberiana do que propriamente barroca no sentido mais amplo que o estilo possa sugerir. Certamente, que o pedestre-espectador está diante de um espetáculo épico. A alegoria é explícita devido à necessidade de uma convenção que se faça eficaz e rápida diante da condição buliçosa que a própria rua como espaço teatral apresenta. A alegoria visual promove a adesão do espectador-pedestre que no seu percurso é pego de roldão pelo formato espacial do círculo mágico construído pela Tribo de Atuadores que desde aí conta sua história. O espetáculo é um excelente modelo de resultado de um trabalho teatral de criação coletiva tanto do ponto de vista da dramaturgia quanto do ponto de vista da encenação. O roteiro apresentado no programa especifica as escolhas narrativas, após um mergulho no universo de Marighella, oferecendo ao pedestre-espectador uma seqüência de 12 cenas intituladas: 1. As origens; 2. O nascimento: Vai Carlos, ser Marighella na vida!; 3. Apresentação: Quem é você Marighella? Um mulato baiano; 4. O Estado Novo, Ditadura de Getulio Vargas; 5. Redemocratização e Constituinte; 6. O Amor de Carlos e Clara; 7. O golpe de 64; 8. Resistência; 9. AI 5: os anos de chumbo; 10. A Luta Armada; 11. Perseguição e morte; 12. Legado: o gesto que fica. Esses “quadros”, quase independentes, ou esses momentos que ressaltam a trajetória de Marighella são apresentados em formato musical, seja por meio da musica instrumental, seja por meio, unicamente, do jogo dos atores com suas coreografias e movimentações cênicas. Cantando, clamando e dançando inspirados pelos poemas do próprio Marighella, a Tribo conta essa história cuja textura e cor são oriundas da cultura popular, do candomblé, da capoeira, matriz cultural com a qual se identificava o próprio revolucionário-poeta, enquanto homem, cidadão e político. Escolher, selecionar e apontar um sentido é sempre um trabalho operoso, e, é em certa medida abrir mão de outras partes, certamente, tão engenhosas quanto as que nos são mostradas na composição do todo da obra. Nesse sentido, a direção se vale do coeso trabalho do conjunto de atores que de forma orgânica e integrada com excelente percepção do timing das cenas vão desdobrando um quadro noutro quadro. A encenação, acertadamente, ao optar pela subtração dos vestígios de uma narrativa realista convencional, com personagens individualizados, e ao apostar no didatismo da alegoria oferece elementos para uma forte empatia entre atuadores e pedestres-espectadores.